quarta-feira, 24 de janeiro de 2024


24 DE JANEIRO DE 2024
MÁRIO CORSO

Crítica literária ao manual de instruções

Um leitor onívoro, que aprecia a leitura de um modo mais amplo, tende a aborrecer-se com os manuais de instruções. São demasiado toscos, de uma objetividade canhestra. A prosa é um deserto lírico, o grau zero da metáfora. Os fabricantes reclamam que o consumidor não lê manuais, mas é de se perguntar: quem quereria ler tal garrancho de sentido?

A essência de um manual é perpassada pela mesma lógica com que as pessoas apresentam suas casas. Exemplo: - Aqui temos a cozinha! Uma informação deveras útil, pois sem ela, o visitante pode pensar que o dono é um tonto que coloca fogão e geladeira em uma sala. Enfim, o manual entrega o que o leitor já sabe e não esclarece suas ânsias.

É impossível obter uma informação útil, sem passar por platitudes: retire o aparelho da caixa, parafuse os parafusos com uma chave de fenda, verifique se está ligado à tomada? Tudo chega mastigadinho até que, no pulo do gato, entra o sadismo. Exemplo: para encaixar a peça, gire o pino à esquerda segurando a lingueta, pressione o anel superior na direção contrária da mola na fenda do suporte e solte-a alinhada ao rolamento. Simples!

A bula de remédios é um subconjunto dos manuais, mas com um espírito próprio. O medo do uso incorreto de medicamentos e as normativas a respeito tornaram as bulas todas iguais e igualmente confusas. É científico e está tudo ali. Porém, dentro daquela barafunda de informações e advertências, onde diz se são duas ou três pílulas ao dia?

A primeira etapa da bula é desembrulhar o origami. É usado o princípio do mapa de papel, uma vez aberto, jamais será fechado da mesma forma. O resultado da tentativa leiga em recolher aquela "toalha", terá em média o dobro do tamanho original, não cabendo de volta na caixa. Quando a bula abrir em tamanho razoável, busque a lupa.

Comparada aos anteriores - e só a eles -, a receita culinária é o lado solar dos manuais. A receita é contagiada pelo encanto dos ingredientes, o aroma dos temperos, a vontade de provar o resultado. O tema agradável minimiza o estilo tedioso e insípido de como é descrita a sucessão dos passos da preparação da comida.

Embora momentaneamente úteis, os manuais são um fracasso como literatura. Exceção à bula, que desperta angústia hipocondríaca, eles não emocionam nem suscitam reflexão. É desanimador, falta humor, falta paixão, o leitor sai espiritualmente vazio após a leitura.

MÁRIO CORSO

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