sábado, 22 de setembro de 2012



22 de setembro de 2012 | N° 17200
NILSON SOUZA

Paradigmas

Trocávamos gibis na fila do cinema. Quando relato isso para os jovens da minha família, eles me lançam um olhar de dúvida e deboche, como se dissessem:

– Conta outra, tio! Conto, e arranco outros sorrisos irônicos.

Só fui conhecer supermercado na adolescência. Custei a me convencer de que podia tocar nas mercadorias sem que ninguém suspeitasse de que estava roubando. Vinha de uma educação rigorosa, de jamais pegar nada que não me pertencesse. O rigor disciplinar também era observado na escola: a gente levantava toda vez que a professora entrava na sala de aula. Todos os alunos levantavam e só sentavam quando ela autorizasse.

Desta outra a garotada tem o direito de duvidar: íamos a pé para a escola, que ficava a mais de um quilômetro de distância, sem qualquer preocupação com assaltos ou atropelamentos. Digo íamos porque as crianças da vizinhança formavam grupos e saíam chutando latas pela rua, em divertidas excursões diárias. Bah, essa não devia contar: usávamos guarda-pó (ou tapa-pó, se preferirem). Eram aventais brancos obrigatórios, espécie de uniforme da escola pública.

O mundo mudou – e muda numa velocidade cada vez mais vertiginosa. Não creio que a minha infância tenha sido melhor nem pior do que a dos meninos de hoje, que vivem gradeados em suas casas, passam horas na internet e têm relações, digamos, mais permissivas com os professores e com os adultos em geral. É outro paradigma. Outra forma de ver o mundo. O que podia ser considerado um grave pecado no meu tempo, hoje faz parte da rotina.

E aí chegamos a Monteiro Lobato e à polêmica em torno do racismo identificado no livro As Caçadas de Pedrinho. É inquestionável o viés racista na comparação entre a negra tia Nastácia e uma macaca. Hoje. Na época, não era. Isso acho que ninguém discute. A dúvida é se o livro, com a infeliz comparação, deve continuar sendo divulgado nas escolas.

Antes da decisão do Supremo, dou o meu palpite: censurar é sempre pior. Só serve para despertar a curiosidade das pessoas e para ampliar a visibilidade daquilo que se tenta esconder. Mais sensato é, como tentei fazer no nariz de cera desta crônica, contextualizar os fatos.

Monteiro Lobato usou uma comparação racista, sim, mas na sua época isso era normal. Felizmente não é mais. Evoluímos. O episódio não diminui a importância de sua obra. Por mim, continuaríamos mostrando o livro para as crianças, aproveitando para reforçar conceitos de igualdade e respeito racial.

Mas, ao contrário do Supremo, aceito recursos.