quarta-feira, 24 de setembro de 2014


24 de setembro de 2014 | N° 17932
PAULO SANT’ANA

O repentista

Em memória do grande poeta gaúcho Jayme Caetano Braun, vou reproduzir parte apenas de um poema extraordinário dele sobre o que hoje é um tema palpitante, o racismo. Isso tudo foi dito de improviso, sem uma palavra escrita. Sensacional o Gênio. Saboreiem-no:

PAYADA PARA O IRMÃO NEGRO

Eu te abraço negro irmão/ que vieste do além-oceano/

A este pago soberano/ como do meu chão/

Sinônimo de amplidão/ de céu, de pampa, desertas/

Nas horas certas e incertas/ pra integrar-se no debuxo/

Do coração do gaúcho/ sempre de portas abertas/

Aqui não há preconceito/ de cor nem de religião/

Aqui qualquer cidadão/ desfruta o mesmo direito/

Vale o que se traz no peito/ na querência farroupilha/

Ser preto a ninguém humilha/ nesta gloriosa planura/

Que a noite é também escura/ e tem a estrela que brilha/

Aqui não há mais nem menos/nem ricos nem potentados/

Pobres ou afortunados, não há/ grandes nem pequenos/

Mas os conceitos serenos/ há séculos emitidos/

Pelos negros decididos/ que demarcaram fronteira/

Quando a pátria brasileira/ dava os primeiros vagidos/

Aqui não há quem levante/ pra desprezar um irmão/

Olhando a coloração/ pra nós tão pouco importante/

Ela é insignificante/ no Rio Grande tapejara/

A pele jamais separa/ eu sempre afirmo e repito:/

Não há Deus que tenha dito/ que a cor devesse ser clara/

Desde o primeiro momento/ aqui neste mundo aberto/

O negro foi um liberto/ de parceria com o vento/

Irmanado ao sentimento/ gaúcho de liberdade/

Dentro da fraternidade/ nossa marca de nascença/

Que atrás da nuvem mais densa/ sempre existe a claridade/

São conceitos que eu endosso/ e que a minha gente endossa/

Numa pátria como a nossa/ teu destino é o mesmo nosso/

E ao te abraçar eu remoço/ aberto ao entendimento/

Meu irmão de sentimento/ trilhando o mesmo caminho/

Com respeito e com carinho/ sem pensar em pigmento/

Neste Rio Grande altaneiro/ és um pedaço de glória/

Como parte da memória/ do nosso culto guerreiro/

E o clarim Nico Ribeiro/ de Bento, herói dos farrapos,/

Teixeira Nunes, seus guapos, lanceiros negros, legendas/

Que andaram abrindo sendas./São pátrias vestindo trapos/

Nas lidas do pastoreio/ nas epopeias da raça/

Tu sempre fizeste praça/ de peleador sem receio/

Nas estâncias, no rodeio/ ou lidando com carreta/

Ou charqueando na paleta/ o redomão aporreado/


Ou quase santificado/ na figura da mãe preta.