domingo, 28 de setembro de 2014


CLÓVIS ROSSI

Sobre o diálogo de Dilma

O EI não é um interlocutor, mas atuar sobre os jovens muçulmanos pode ser o caminho mais promissor

Depois de decodificada pelo chanceler Luiz Alberto Figueiredo, faz sentido a posição da presidente Dilma Rousseff a respeito da crise criada pelo EI (Estado Islâmico).

A primeira impressão --a de que ela sugeria o diálogo com esses fanáticos-- seria realmente uma tolice imensa.

Não há como dialogar com fanáticos. Mesmo que não tivessem decapitado ninguém, prova-o o fato de que, ao abrirem o ano letivo nos territórios que controlam, riscaram do currículo as cadeiras de arte, música, história, geografia e literatura, coisas impuras para uma visão fundamentalista.

Mas se a presidente de fato quis dizer que é necessário "o diálogo político na comunidade internacional, e não usar a força como solução inicial", como traduziu o chanceler, aí poderia eventualmente funcionar.

Até porque o presidente Barack Obama errou ao afirmar que um grupo como o EI só entende uma linguagem, exatamente a da força, criticada por Dilma.

Errado. Nem à força esse tipo de fanáticos se dobra, como dá prova o Afeganistão. Os Estados Unidos usaram a força --e, na ocasião, devidamente autorizados pelas Nações Unidas--, tiraram do poder o Taleban, que é uma versão do EI, e, após anos de ocupação e milhares de mortes, este continua atuante.

Talvez --e é importante grifar talvez-- o diálogo na comunidade internacional permitisse ouvir a voz do Irã, ele também vítima do uso da força pelos Estados Unidos, na forma de sanções, e governado pelos radicais de uma facção do islamismo, embora oposta à do EI (são xiitas, não sunitas). Hasan Rowhani, o presidente atual que tem dado reiteradas demonstrações de bom senso, disse que a solução para o problema do EI deveria ser encontrada pelos próprios muçulmanos.

Parte da constatação, correta, de que as intervenções ocidentais no mundo muçulmano têm sido muito mais parte do problema que da solução. A lacuna na proposta iraniana é que os líderes muçulmanos também têm sido mais problema que solução, do que dão prova o xiita iraquiano Nuri Al-Maliki, recém-apeado do poder, e o alauíta sírio Bashar Al-Assad, promotor de uma carnificina que torna pálidos os crimes do EI.

Não tem solução, então? Fácil, não tem, não. Mas talvez possa funcionar a conquista de mentes e corações muçulmanos.

No Reino Unido e agora na França está em curso uma campanha pelas redes sociais sob o hashtag "NotinMyName", a maneira encontrada por jovens muçulmanos para dizer que não se sentem representados pelos fanáticos.

É uma campanha dirigida pela "Fundação Mudança Ativa", que combate todas as formas de extremismo. Hanif Qadir, presidente do grupo, diz "os jovens muçulmanos britânicos estão fartos da propaganda do ódio do Estado Islâmico e sua proliferação nas redes sociais".

Parece lógico supor que os jovens muçulmanos das regiões sob controle do EI estejam ainda mais fartos, porque são vítimas não da propaganda, mas das ações violentas do grupo. Trabalhar com uns e outros pode, pois, ser um caminho.


crossi@uol.com.br