sexta-feira, 24 de julho de 2015



24 de julho de 2015 | N° 18236 
DAVID COIMBRA

A cantada infalível

Um bom amigo meu, solteiro militante, conhecedor dos escaninhos mais esconsos da noite porto-alegrense, esse meu amigo, contrariando todas as expectativas, está namorando há um ano. Um ano!

Quando os amigos comuns perguntam que centelha faiscou entre o casal para provocar tamanha transformação naquele lobo solitário, ele e a namorada contam como se viram pela primeira vez.

A mágica aconteceu assim: era já uma e meia da madrugada, e meu amigo estava encostado com sua típica manemolência à parede de um famoso bar da cidade, sorvendo sua cerveja às bicadas. Ela o viu e decidiu tomar a iniciativa. Aproximou-se. Perguntou, a sedução em cada vogal:

– Tem fogo? E o meu amigo, erguendo a sobrancelha esquerda e emprestando um tom rouco à voz:

– Só no atrito...

Algumas mulheres teriam o que cronistas d’antanho chamariam de frouxos de riso, ao ouvir essa resposta. Mas a namorada do meu amigo ficou paralisada de surpresa, sem ação. Deu certo. Tanto que eles estão juntos até hoje.

Fico pensando se o sucesso do relacionamento não se deu também porque ele ficou surpreso por ela não ter se evadido ante essa resposta. “Só no atrito”, imagine. De qualquer forma, o ingrediente que fundiu o casal foi, mesmo, a surpresa.

Era do que queria falar. Da surpresa.

O ponta-esquerda era, quando existia, um profissional da surpresa, assim como meu amigo era profissional do que se chama de “noite forte” de Porto Alegre. Achei que nunca mais veria um ponta-esquerda, até o jogo do Inter no México. Lá estava ele. Pequeninho e magrinho, como eram os pontas-esquerdas. Veloz. Driblador. E surpreendente.

Esse Aquino, o nome dele é Aquino, foi ele quem desestabilizou a defesa do Inter. Não lembro de alguém ter conseguido tirar a bola dele durante o jogo. Será que alguém consegue, durante algum jogo? No lance do pênalti, ele não deu um nem dois, mas três dribles de futsal nos zagueiros, todos dribles de palmo e meio, daqueles que se dava em um único parquê. Foi derrubado porque tinha de ser, ou irromperia gol adentro feito um Garrincha.

Aquino. É um jogador antigo. Felizmente, antigo. Parecia Joãozinho, do Cruzeiro, que fazia exatamente assim contra, exatamente, o Inter. Ou Lula, do próprio Inter, ou Ortiz, do Grêmio, ou Nei, do Palmeiras, ou Zé Sérgio, do São Paulo, ou Júlio César “Uri Gheller”, do Flamengo, ou Jésum, da Dupla Gre-Nal.

Pontas que não existem mais, de um futebol que não existe mais.

O ponta-esquerda foi a primeira vítima do futebol moderno, o futebol endinheirado, de cinco no meio-campo, da TV paga, dos estádios com preço de teatro, da garra, da marcação, da porrada, o futebol do jogador que beija seis camisas diferentes em seis anos, o futebol dos grandalhões, do técnico de gravata, do marketing, dos executivos, dos empresários, do padrão Fifa.

O Inter foi derrotado pelo passado. Pela surpresa. Pela novidade de ter enfrentado o velho futebol.