quarta-feira, 29 de julho de 2015



29 de julho de 2015 | N° 18241 
MOISÉS MENDES

A torcida dos linchadores


Um repórter terá perdido a utilidade quando deixar de imaginar a pauta impossível, a entrevista que só por um milagre conseguiria fazer. A colega Letícia Duarte é testemunha de que eu e o Luiz Antônio Araujo ainda perseguimos essa pauta, apesar dos detratores nos observarem como dois caras que só emitem palpites, fechados na Redação, olhando de vez em quando para a rua pelas frestas das persianas.

Confidenciamos à Letícia, no café da Redação, a pauta que nunca iremos fazer. Iríamos a Viamão e reuniríamos, não um, nem dois, nem meia dúzia, mas todos os envolvidos no linchamento de um homem no centro da cidade.

Chamaríamos os 15 linchadores para saber de onde vinham e para onde iam na noite de domingo, quando dois assaltantes atacaram um casal em uma parada de ônibus. Deu errado e um deles foi cercado e morto a pontapés.

Iríamos saber como cada um participou do linchamento. O que surrou mais, o que interferiu de vez em quando, o que acha que deu apenas um pontapé, o outro que só agrediu o homem quando já estava morto. E o que assegura ter ficado de longe apenas incentivando.

Quem são e o que fazem os que participaram daquilo? Que sensação tiveram ao acordar na segunda-feira? Qual é a parte de cada um nesse latifúndio de medo, descrença e barbárie?

Estudiosos da violência investigam há anos casos como esse. Não me interessa mais saber que as instituições estão desacreditadas, que poucos confiam em inquéritos policiais e que a Justiça é algo vago e distante da vida de todos eles. Eu e o Araujo queremos entender a força que os empurrou para uma ação em grupo capaz de matar quem nunca tinham visto.

Pouco antes da conversa no bar, eu ouvira da Andressa Xavier, na Rádio Gaúcha, a mesma interrogação: o que muda na cabeça e na alma de quem, em circunstâncias como a de Viamão, sai de casa para ir à farmácia e retorna como coparticipante de um assassinato?

Nossa pretensão de repórter era essa: falar com todos, para juntar depoimentos e dali tirar, não uma conclusão, mas um conjunto de sentimentos. Tenho, apenas por intuição, a impressão de que não há entre eles nada que se aproxime da euforia dos torcedores que ainda comemoram o massacre pela internet.

Essa torcida macabra aterroriza tanto quanto os 15 moradores de Viamão, que viverão atormentados para sempre com o que fizeram no impulso na noite de domingo.