sábado, 25 de julho de 2015



25 de julho de 2015 | N° 18237 
CLAUDIA LAITANO

O Piauí é ali


Pouco mais de 300 quilômetros separam os pequenos municípios de Cocal dos Alves e Castelo do Piauí. Quatro horas e meia de viagem, passando por lugarejos com nomes como Piripiri, Piracuruca, Capivara.

Visto daqui, da outra ponta do Brasil, o interior do Piauí é mais remoto do que a superfície de Plutão. As notícias que vêm de lá costumam nos soar como relatos extraordinários de um país distante – que por acaso é o nosso. Mas como para viajar no Google não precisa gasolina, examino o mapa virtual em busca de coordenadas. A distância não parece tão grande, mas os extremos que essas duas cidades representam são difíceis de acomodar em qualquer cartografia.

Castelo do Piauí, vocês lembram, é a cidade onde, em maio, quatro meninas, entre 15 e 17 anos, foram estupradas, torturadas e atiradas do alto de um penhasco por quatro menores e um adulto. Uma das vítimas, Danielly, morreu dias depois. Um dos agressores, Gleison, foi morto nesta semana na instituição onde cumpria medida socioeducativa sob a proteção do Estado.

Cocal dos Alves, mais ao norte, é uma das 50 cidades com o índice mais baixo de desenvolvimento humano do Brasil. Um professor de matemática de uma escola pública da cidade, porém, decidiu desafiar o pessimismo, as estatísticas, o conformismo. Desde 2005, a escola onde Antônio Cardoso do Amaral leciona já ganhou mais de 150 medalhas e menções honrosas na Olimpíada Brasileira de Matemática. Em 2015, foram três medalhas de ouro, oito de prata, cinco de bronze.

Não sabemos onde estudou Gleison, mas podemos inferir quase tudo sobre sua educação lendo o bilhete que escreveu para a mãe horas antes de ser morto. Com uma caligrafia irregular, mas caprichada, Gleison agradece à mãe por tudo e pede desculpas por não ter sido o filho que ela merecia. A ortografia imperfeita, difícil de decifrar, não deixa dúvida: Gleison passou ileso pela escola. Era um analfabeto que escrevia, como milhares (milhões?) em todos os cantos do país.

A distância que separa garotos que aprendem a gostar de matemática dos que não conseguem aprender a ler ou escrever não precisa ser tão grande quanto a que separa um menino que nasce com todas as chances de outro que convive com a precariedade desde o nascimento. É possível criar atalhos, pontes, caminhos alternativos, como aconteceu em Cocal dos Alves. E quase todos esses desvios – ou todos – passam por uma sala de aula.

É bom imaginar que a estrada que leva a histórias trágicas como a de Castelo do Piauí pode ser interrompida, a qualquer momento, não apenas por prefeituras ou governos (embora haja bastante trabalho para eles), mas também por gestos individuais que desafiam, diariamente, o pessimismo, as estatísticas, o conformismo.

Sozinho não se resolve tudo, mas se faz muita coisa.