quarta-feira, 29 de julho de 2015



29 de julho de 2015 | N° 18241 
MARTHA MEDEIROS

Anacrônica

Não me preocupo em ficar velha (mentira). Desde que nascemos, estamos envelhecendo, cada dia com menos joelhos, visão e memória. Sabendo levar com humor, tudo certo. Mas ficar obsoleta é preocupante. Já começo a antever a solidão que me aguarda. Onde catar meus pares? Será que me transformarei naquelas malucas que zanzam pela noite falando sozinhas em busca de uma realidade que não existe mais?

O Facebook não tem culpa de tudo, só de uma parcela da minha sensação de anacronismo: leio os posts de amigos inteligentes e espirituosos, e tudo me parece tão esperto, moderno, atualizado, divertido, bem sacado e oportuno, que acabo me considerando uma personagem de filme de época que esqueceu de sair de cena.

Além do conteúdo das postagens, todos sabem corrigir defeitos em fotos, baixar vídeos complicados, colar matérias, fazer intervenções nas imagens e eu matei quase todas essas aulas. Até o Papa usou um tablet para se registrar como peregrino da próxima Jornada Mundial da Juventude. Outro dia, um amigo que é respeitado no Brasil inteiro, craque em seu ofício, um cara antenado, postou uma singela pergunta no Face: alguém me ensina como fazer parágrafos nos comentários sem enviá-los antes de terminar de digitar? Alívio para minha humilhação. Também não sei, também não sei.

Mas não estou obsoleta só nas redes sociais. É em tudo. Meus conceitos caducaram. Não espalhe, mas ainda gosto de algum romantismo, aprecio quem entra no jogo da sedução, faz seu papel, curte o flerte – nem precisa estar tão apaixonado, basta que encene, decore suas falas. Até dispenso o amor, fico com o simulacro, acho que evoluí (se bem que o fato de ainda gostar da mise-en-scène já me condena – e nem ouso confessar que, quando há amor de verdade, fico ainda mais feliz).

Feliz! Coitada de mim, que ainda arrisco trazer a público palavra tão retrô. Angustiada, medicada e vulgar, é isso que esperam de uma mulher condizente com seu tempo.

Só que não tenho mais meu tempo. Ele não é ontem, não é hoje e o amanhã se assemelha a um gigantesco aspirador de pó – o pó sou eu. Estou soando dramática? Exagerada? Pois é, até isso é antigo.

Eu apoio o casamento gay, sou a favor da descriminalização do aborto, viajo sozinha quando dá na telha, meu trabalho me sustenta e ainda assim me sinto como se recebesse mesada de marido e não pudesse votar. Música eletrônica me atordoa, ostentação me nauseia e meus heróis, em vez de morrerem de overdose, estão chegando aos cem anos. Meu sonho de consumo é encontrar outros sobreviventes nesta ilha em que estou me exilando. E uma tevê que não envergonhe minha filha diante dos amigos – sou a única terráquea que ainda não tem uma de LED.