sábado, 25 de julho de 2015



25 de julho de 2015 | N° 18237 
NÍLSON SOUZA

GUTENBERG E OS ANALFABETOS


O incansável Caco Barcellos e sua equipe do Profissão Repórter mostraram nesta semana como vivem alguns dos 13 milhões de analfabetos brasileiros, homens e mulheres que enfrentam com dificuldade e constrangimento o cotidiano de uma sociedade organizada em torno das letras. 

Ninguém deveria se sentir envergonhado por não saber ler, até mesmo porque as pessoas que cresceram sem decifrar os códigos da leitura e da escrita, em sua maioria, esbarraram na falta de oportunidades e de estímulos. Mas a verdade é que o analfabetismo exclui. Na prática, iletrados viram cidadãos de segunda classe, ficam mais tempo desempregados, são menos valorizados no trabalho, têm dificuldade para se comunicar e até mesmo para fazer compras ou se deslocar sozinhos pela cidade.

O mundo é hostil com os analfabetos e eles, invariavelmente, se defendem com retração e pequenos truques. Outro dia, contratei um excelente faz-tudo para pintar o telhado da minha casa. Na hora de pagar o homem, fiz um recibo e pedi para ele assinar. Ele perguntou se a assinatura não podia ser do seu filho, que tinha a letra mais bonita. Imediatamente, me dei conta da situação e desisti do papel.

A tecnologia, infelizmente, não está ajudando a resolver o problema. Embora faça uso de símbolos e ícones que de certa forma nos remetem à era pré-escrita, os equipamentos só funcionam com quem sabe ler e escrever, com quem domina senhas e aplicativos, com quem consegue se comunicar pelas redes sociais – lendo, digitando e arrematando com emoticons. E agora temos também os analfabetos digitais.

O parênteses de Gutenberg pode estar se fechando, como previu o professor britânico Thomas Pettitt, autor da polêmica tese do retorno da humanidade à cultura da transmissão oral do conhecimento. Porém, se estamos “falando pelos dedos”, que é a justificativa central de sua tese, só o fazemos porque sabemos ler e escrever.

Acho que ainda não podemos dispensar essa competência. Mesmo que os livros e os jornais desapareçam no formato impresso, as letras sobreviverão no universo virtual, pois são elas que dão sentido à civilização. A escrita nos tornou mais humanos – ainda que as dificuldades e as humilhações relatadas pelos analfabetos da reportagem desautorizem esta conclusão.