sábado, 10 de dezembro de 2016




10 de dezembro de 2016 | N° 18711
LYA LUFT

Pode ser mais simples

Almas aflitas, inseguros no turbilhão de informações corretas ou tresloucadas que nos confundem, em que até altas figuras fazem e refazem, decidem e se enrolam, vivemos vulneráveis a toda sorte de famigeradas “receitas” baseadas na futilidade geral: seja bem-sucedido, segure seu marido, enlouqueça sua mulher, tenha pelo menos dois orgasmos a cada relação, jamais envelheça etc. Como tudo está cada vez mais complicado, e andamos desgovernados, encalhados ou jogados por marés imprevistas, desistindo de prever qualquer coisa porque tudo se levanta e desmorona em questão de horas, acabamos nos aferrando a algum desses preceitos espalhados por toda parte.

É a era das receitas, das frases feitas e clichês, adaptados a milhares de desiguais como se assim carimbados não tivessem individualidades. Somos uma manada, o que oferece conforto, mas aniquila o espírito. Rouba a liberdade, mata a originalidade. É essencial ­– nos aconselham – fazer como todo mundo, frequentar o restaurante da hora, o cabeleireiro idem, ler aquele best-seller sem saber do que trata, conhecer as Bahamas, dar uma passadinha em Paris. Transpirando e lutando para pagar as reles contas do dia a dia, corremos ofegantes em busca disso que não podemos avaliar nem alcançar, eternamente frustrados.
Se prestarmos atenção a muitas mutantes e loucas recomendações, havemos de nos divertir: Não beba muito café; café faz bem. Não tome aspirina demais; tome uma por dia (a infantil, claro). Vitaminas não ajudam; tome esse moderno complemento de vitaminas. Faça exames a cada poucos meses; não faça exames demais. Álcool faz mal; uma taça de vinho faz bem. Exercite-se diariamente; não se esforce demais. Coma só carboidratos, evite carboidratos; fuja das gorduras, coma bacon e ovo frito todo dia no café da manhã... além dos grotescos conselhos sobre sucesso profissional, sexual, e ser linda(o), “ser famoso”.

Mesmo em assuntos mais sérios, há declarações duvidosas, como “Quem não lê é uma pessoa triste”. Desculpem, amigos, leitores, ex-alunos e colegas escritores, mas isso é mais uma empulhação. Quem não lê sabe menos, se diverte menos, tem menos bagagem interior, visão bem mais estreita de mundo, talvez fique mais solitário (livro é um belo companheiro) – mas não precisa ser “triste”. Os mais ignorantes quem sabe, andam mais alegrinhos por não fazerem ideia do festival de enganos e desfaçatez em que nos enredam.

Atenção: não estou dizendo que a gente não siga ao menos essa receita, de ler mais. Mas não reside nisso nossa tristeza: apenas, lendo, nossa alma se expande, cria varandas como dizia um amigo meu; aprendemos história, arqueologia, psicologia, saboreamos beleza, nos intrigamos, nos conhecemos melhor, curtimos “as franjas das palavras”, seus muitos sentidos – se soubermos ver. 

Tudo pode ser mais simples do que nossa aflição com receituários financeiros, psicológicos, sexuais. Recentemente, numa palestra, me perguntaram por que alunos deveriam estudar. Não precisei refletir. Do fundo dos meus tantos anos e experiências, fracassos e tolices cometidas, respondi o que julgo ser a verdade mais simples: “Devem estudar para não ficarem burros”. De modo geral, em quase tudo a simplicidade nos salva.

Termino com um P.S.: delícia o encontro de colunistas da ZH na quinta-feira, alegria e orgulho de novamente estar nesta família.