segunda-feira, 19 de dezembro de 2016



19 de dezembro de 2016 | N° 18718 
DAVID COIMBRA

A minha tabacaria

Queria ter uma tabacaria. Uma daquelas clássicas, que não vendesse só os produtos do tabaco, mas também jogos e, principalmente, gibis. Não se diz mais gibi, bem sei. Agora é Agá Quê.

Deve ser legal viver rodeado de HQs. Todas aquelas histórias. Quando eu era guri, tinha uma grande coleção de gibis. Oito ou nove caixas de papelão, ou até mais, que acomodava debaixo da cama e nos cantos do quarto.

Como me arrependo de não ter guardado aquelas revistinhas. Quando me mudei para Santa Catarina, elas sumiram. Mãe, o que é que tu fez com os meus gibis???

Por Deus que lembro de algumas tramas. Havia uma do Homem-Aranha que era espetacular, como sói acontecer com o Homem-Aranha. Um bandido encontrou um meteoro caído e, ao tocá-lo, foi impregnado por poderes extraordinários. Era uma narrativa meio noir. Já procurei essa historinha nos desvãos da internet e em sebos. Tristemente, em vão.

As Histórias em Quadrinhos foram inventadas pelos americanos, mas algumas das minhas preferidas não são americanas. Asterix e Obelix é dos franceses Uderzo e Goscinny, Mônica e Cebolinha é do nosso Maurício de Souza, e Tex Willer é do italiano Giovanni Luigi Bonelli.

Nos Estados Unidos, há vastas e bem fornidas lojas de gibis, que eles chamam de Comics Stores. Em nenhuma delas jamais encontrei algum desses autores que citei. Tudo bem, Asterix e Mônica até entendo, mas o Tex... as histórias do Tex se passam no faroeste americano! Alguns dos personagens existiram na vida real, como o mítico Kit Carson, o Cabelos de Prata, melhor amigo de Tex.

O Kit Carson de carne e osso era capaz de realizar as façanhas do Kit Carson de papel e tinta. Foi um dos desbravadores do Oeste. Era aventureiro, guia de caravanas, caçador, lutou em guerras e foi amigo dos índios, com exceção dos navajos, que forçou a empreender a dolorosa Grande Caminhada, para longe de suas terras originais. 

Mas não pense que Carson foi como o general Sheridan, que dizia que índio bom é índio morto. Não. Carson integrou-se ao mundo dos índios norte-americanos, casou-se com duas índias (uma de cada vez) e era chamado, por algumas tribos, como os apaches, de Pai Kit. Os navajos, belicosos e indomáveis, é que tiveram problemas com ele. Do que se aproveitaram as tribos amigas de Carson e inimigas dos navajos, que os atacaram e quase os dizimaram. Há livros que debatem a atuação de Carson nesse triste episódio navajo.

Ou seja: os gibis de Tex e Kit deviam ser conhecidos e apreciados pelos americanos.

Mas não são. Talvez os americanos estejam empanzinados de heróis com superpoderes, o que lhes traria dificuldades para admirar um herói demasiado humano.

Pode ser. De qualquer forma, deve ser agradável viver em meio a revistas e gibis, especialmente os antigos – minha tabacaria teria de ser um sebo.

Você folheia uma velha revista e é como voltar ao passado. Tenho toda a coleção de Realidade e já tive a da Revista Placar, que doei para a Editoria de Esportes da Zero Hora.

Era sobre glórias e dramas pretéritos que conversaria, na minha tabacaria. Os amigos chegariam para tomar um mate comigo, ou um café ou quem sabe até um chopinho no happy hour, e eu pegaria uma Placar da estante do fundo:

– Te lembra do Osni, o menor ponta do Brasil? – Claro, jogava no Bahia. O centroavante era o Mickey.

Ou então travaríamos algum debate de relevância psicológica, como escolher um só tipo de superpoder – não sei se você sabe, mas o superpoder que você prefere diz muito sobre a sua personalidade e o seu caráter.

Assim passaria meus dias. Na companhia de grandes heróis. Com a lembrança de grandes façanhas. E até cercado por alguns vilões terríveis, como o Doutor Octopus, o Pinguim, o Lex Luthor e o Darth Vader, que, por terríveis que sejam, não são piores do que os que respiram e, em vez de capa, usam gravata. Desses, tenho medo.