segunda-feira, 26 de dezembro de 2016



26 de dezembro de 2016 | N° 18724
ARTIGOS

HÁBITOS NO FALAR

Todas as épocas têm hábitos variados. Em especial, no uso de expressões linguísticas.

Na década de 80, ouvia-se e lia-se, à exaustão, a expressão “inserido no contexto”. [Era sofisticado usá-la, em especial quando se tinha sobre a mesa ou debaixo do braço, sem nunca ter lido, um livro de Hegel, Sartre, Lukács etc.)

Tínhamos, e ainda temos, várias outras, como “vou fazer uma colocação”, “na sua fala foi mencionado etc.”. Há, também, os dialetos setoriais, no mais das vezes importados.

No setor financeiro, há, por exemplo, o “performar”, do inglês performance, além de várias expressões da mesma língua. Não se diz temos um negócio para fazer, mas, sim, temos um “deal” em construção. Grande parte desses modismos revelam tendências, compromissos, dependências, exibicionismo etc. Sempre expressam e denunciam um subterrâneo individual e/ou coletivo.

Há hoje um uso curioso e geral. Nas palestras, discursos, exposições, agradecimentos e outros, se usa, quando da introdução, a fórmula:

– Gostaria de saudar as autoridades presentes, em especial... Quando se quer expressar um juízo sobre algo, usa-se:

– Eu diria que... Há uma compulsão pelo uso dos verbos no “futuro do pretérito do indicativo”:

– gostaria de...; mencionaria que...; diria que...

Esse tempo verbal designa uma ação posterior ao tempo de que se fala. Poder-se-ia pensar que seria uma forma polida do tempo presente. Mas, não é o caso.

A rigor, o “gostaria de saudar” ou o “diria que” importa em que não se está saudando ou dizendo. O que se expressa, de forma oculta, é que só vão saudar ou dizer no futuro, sem o fazer naquele momento presente!

Por que não dizer “saúdo as autoridades, ...” ou “eu digo que...”? Por que o uso de um condicional, em que não explicita a condição? A saudação que não faz ou o dizer que não disse, mas que “gostaria” de fazer ou “diria”, está condicionada a quê?

Isso é corrente e majoritário.

Os que a utilizam parecem entender que a saudação ou o dizer não estão condicionados a coisa alguma. O mesmo, com os destinatários. Aqueles entendem que estão fazendo o que não fazem, mas que “fariam se...”? Por que, hoje, há uma fuga para o condicional, com ocultação do condicionante?

Podemos identificar uma tábua de salvação. Se houver irresignações e protestos, o recuo está assegurado: só dissemos que faríamos, mas não o fizemos... Fica espaço para retificação salvadora: “Disse que saudaria, mas não o fiz, porque sabia, de antemão que...”.

Estamos em um tempo de dissimulação. Esse hábito linguístico se encarrega de revelar.

É a covardia intelectual?

*Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal - NELSON JOBIM*