sexta-feira, 30 de dezembro de 2016



30 de dezembro de 2016 | N° 18728 
NÍLSON SOUZA

DESEJOS

Recolho nesta véspera de novo ano desejos que voam das bocas e corações como borboletas invisíveis em busca da flor da atenção.

Este deseja àquele um ano feliz, na ordem inversa das palavras, o adjetivo primeiro para dar a entonação tradicional. Outro, mais realista, deseja ao vizinho do lado um ano simplesmente bom, que já lhe parece suficiente para cumprir o ritual dos votos obrigatórios. O cidadão de meia-idade, possivelmente vacinado por outras viradas, prefere desejar aos conhecidos um ano melhor, deixando implícito que o atual já vai tarde para as calendas do esquecimento. A moça beija a amiga no rosto e deixa carimbado, em traços de batom rosa, o desejo de um ano repleto de amores e de alegrias de todas as cores.

Os desejos têm nome, identidade e, em alguns casos, até CPF: saúde, dinheiro, felicidade, paz, sorte, sucesso, prosperidade, venturas e aventuras, talvez uma cara-metade ou um príncipe encantado. (Numa emergência, serve uma metade que não seja muito cara e até mesmo um plebeu desencantado.) O importante, sugerem os desejadores, é que se tenha companhia no próximo ano. Um desejo compartilhado, permito-me parafrasear Raul Seixas, é algo muito mais próximo de se tornar realidade.

Nos tempos de antigamente, lembro-me bem, havia um bonde chamado desejo que passava nas matinês de domingo. Depois, virou trem, porque um desejo puxa o outro assim como as palavras e as ideias de Machado de Assis. Alguns dizem, escreveu o escritor, que assim é que a natureza compôs as suas espécies.

Desejo é um sentimento espontâneo, brota do nada, mas cresce como o pé de feijão da história infantil. Quando se vê, tornou-se incontrolável. Quando se vê, tomou conta de nossa vontade e de nossa vida. Quando se vê, o ano novo já chegou. Mas esse é o nosso desejo pessoal e intransferível. O desejo que desejamos aos outros é menos explosivo e mais racional: muitas felicidades, muitos anos de vida, muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender. Desejos prontos, empacotados, feitos para a ocasião.

Entre tantos desejos esvoaçantes, borboletas invisíveis, capturo um para dividir com as leitoras e leitores que me acompanham nestas reflexões. No ano que bate à porta, desejo-vos tudo o que vós desejardes aos outros.