sábado, 19 de janeiro de 2019



19 DE JANEIRO DE 2019
ARTIGO

O LIQUIDIFICADOR

O liquidificador revolucionou a cozinha, humanizou as cozinheiras e se igualou às grandes inovações do século 20, como a penicilina, a bomba atômica e a ida à Lua. Agora, no novo século, o governo Bolsonaro o regulamentou e incentivou por decreto.

Quem tenha mais de 25 anos e bons antecedentes pode ter até quatro liquidificadores e, assim, moer e cortar em mil pedacinhos até o mais duro osso de roer. Ainda não podemos levá-los à cintura pelas ruas ou no "shopping", mas esse tempo virá?

Sim, pois - como disse o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni - "arma é como liquidificador", coisa inocente que não pode ser culpada se cortar o dedo da criança que ali enfiar a mão.

Toda simplificação é um perigo e a comparação ou metáfora do ministro é um meta fora total. Liquidificador não tem bala nem mata. Se moer um dedo, é acidente, pois outra é sua função. Arma, porém, é instrumento de matar. Quem atira quer eliminar, até para não ser eliminado.

O decreto liberando a posse de armas foi escolha da ampla maioria que elegeu Jair Bolsonaro. Mas "as maiorias" também erram. Em 1933, a maioria levou o odioso Hitler ao poder, sem perceber que destruiria a Alemanha. Na Rússia de 1917, a violenta maioria "bolchevique" venceu os cultos "mencheviques" minoritários, e a utopia comunista virou sangue e horror.

Entre nós, será difícil ter o revólver como relíquia num cofre. Tê-lo à mão nos protege do ladrão ou assassino, mas leva, também, a disparar até na irritação das rusgas de casal. E a ideia de que cada qual deve atacar ou se defender dos violentos será uma caótica guerra civil oculta, mostrando a falência do poder do Estado, da Justiça e da polícia.

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Deter a violência à bala é como apagar incêndio tapando o fogo com palha seca, sem ir às causas.

Além da droga e dos "bandidos", hoje tudo induz à violência e à disputa, nunca à cordura e ao amor. A "nova música" é desbocada batucada. Os filmes-desenhos infantis não têm 10 segundos sem gritos, estrondos, empurrões e tiros. No final, "os bons" vencem, mas triunfam também pela violência. Que adultos surgem daí, dessa inconsciente fábrica de estultos?

Educa-se para o crime, mas ninguém vê.

Na última ceia, antevendo o fim, Cristo instituiu o novo mandamento: "Amai-vos uns aos outros, assim como vos amei". Agora, invocando "Deus acima de tudo", irão agregar um "r" e nos mistificar com o "armai-vos uns aos outros"?

Não se põe a História num liquidificador, menos ainda a História Sagrada.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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