segunda-feira, 21 de janeiro de 2019



21 DE JANEIRO DE 2019
DAVID COIMBRA

"Você gostaria de falar com o presidente?"

Dois repórteres do Washington Post tinham acabado de jantar em uma brasserie do Quartier Latin, de Paris, na última sexta-feira à noite, quando aconteceu algo extraordinário.

O Quartier Latin é uma das regiões mais charmosas da mais charmosa cidade do mundo. É lá que está engastada a Universidade de Sorbonne. Lá começaram os protestos de maio de 1968. O lugar tem esse nome porque, na Idade Média, a língua que se usava nas universidades era o latim.

No Quartier Latin, há também inúmeras brasseries como aquela em que jantavam os dois repórteres do Post. A comida é em geral boa e não tão cara quanto a que é servida em um restaurante citado no Guia Michelin. O jantar partilhado pelos dois colegas, portanto, deve ter sido ótimo. Mas não melhor do que o que aconteceu depois da sobremesa, quando eles já esperavam que o garçom trouxesse a conta.

Foi o seguinte: um homem sentado na mesa ao lado esticou o braço em direção a eles, mostrando o celular que tinha na mão e perguntando:

- Você gostaria de falar com o presidente?

O repórter a quem o homem se dirigiu é Dan Balz, veterano jornalista de política dos Estados Unidos. A primeira eleição que ele cobriu foi a de 1968, talvez a mais trágica da história americana - em meio à campanha, foram assassinados Robert Kennedy e Martin Luther King, e, no final, Nixon venceria o democrata Hubert Humphrey.

Mesmo com toda essa experiência, Balz ficou surpreso com a oferta. Presidente? Que presidente? Primeiro, ele pensou que se tratasse do francês Macron. Afinal, estavam em Paris. Depois, percebeu que seu vizinho de mesa falava um inglês nitidamente americano. Será que era Trump?

Era.

Balz tomou o telefone e reconheceu de imediato a voz do presidente dos Estados Unidos. Apesar da surpresa, o repórter agiu como repórter: tentou fazer uma entrevista. Trump respondeu de forma evasiva e, em seguida, observou:

- Eu ouvi falar que vocês estavam dizendo coisas boas a meu respeito?

Balz ficou desnorteado. Só mais tarde compreendeu o que acontecera: o homem da mesa ao lado era, também ele, jornalista, que tinha uma entrevista marcada com Trump. Como a entrevista havia sido cancelada, Trump ligou para se desculpar. Então, o jornalista disse que, naquele momento, duas pessoas estavam falando dele, Trump, em um restaurante de Paris. E Trump se animou todo:

- Eles ainda estão aí? Deixe-me falar com eles!

Na rápida conversa com Balz, de dois minutos de duração, Trump desconfiou que o repórter pudesse não ser um admirador e perguntou:

- Você é Hillary ou Trump?

Balz respondeu:

- Eu sou repórter.

Trump riu e o diálogo não se estendeu por muito mais tempo.

Balz escreveu uma bela matéria no Post sobre esses dois minutos. Terminei a leitura encantado. Não que houvesse ali alguma informação exclusiva ou qualquer revelação explosiva, e sim pela atitude de Trump. Ele é o homem mais poderoso do mundo, ele é bilionário e disso se orgulha, a ponto de repetir que tem "bilhões e bilhões e bilhões", ele é presidente dos Estados Unidos, ele está sempre cercado de bajuladores e sua confiança parece tão estufada, que se torna arrogância. Ele é tudo isso, mas se deixa arrebatar ao descobrir que dois desconhecidos o elogiaram num restaurante do outro lado do oceano.

Essa pequena história escancara a essência do ser humano. Porque demonstra que todo o dinheiro, todo o poder e toda a fama são muito pouco se o homem não sente que pode despertar o amor.

DAVID COIMBRA

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