terça-feira, 29 de janeiro de 2019



29 DE JANEIRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Houve uma vez um verão

Entre essas andanças tantas, dirigi a primeira rádio totalmente jornalística de Santa Catarina, a Eldorado, de Criciúma. Naquele tempo, anos 1990, a rádio fechava a programação às duas da madrugada para retornar às cinco, com o programa Rádio Rural, apresentado pelo jovem Silmar Vieira.

Era preciso, portanto, escolher um tema para o encerramento das atividades. Tinha de ser uma música nostálgica, de despedida, que rodaria enquanto o locutor informava, com brevidade, que a programação seria interrompida. A melodia deveria prosseguir ainda por alguns minutos, produzindo no ouvinte a sensação mansa de que um dia estava acabando, mas que outro logo viria para substituí-lo.

Eu queria a música perfeita. Para encontrá-la, fui para a discoteca da rádio, chamada de Discoteca do Bolacha.

O Bolacha era um antigo radialista da cidade, um tipo engraçado, bem-humorado, que se apresentava fazendo troça com o próprio nome:

- Eu sou o Osvaldo Costa, aquele de quem toda mulher gosta.

Na verdade, todos, homens e mulheres, gostavam do Bolacha. Ficamos, eu e ele, algum tempo fuçando nas pilhas de discos, até que achei a música que procurava.

- É essa! - gritei para o Bolacha. - É essa!

Era o tema de um dos grandes filmes do cinema, Houve uma Vez um Verão, do francês Michel Legrand.

Lembrei dessa história porque Legrand morreu no fim de semana passado. Ao ver as notícias sobre ele, senti vontade de assistir de novo a Houve uma Vez um Verão. É um filme belíssimo. O protagonista visita a praia em que viveu o ano mais importante da sua adolescência, talvez da sua existência: 1942. Em inglês, o título do filme é, precisamente, O Verão de 42. O narrador da história é um garoto de 15 anos de idade. Ele se apaixona por uma mulher mais velha, que mora sozinha em sua pequena casa desde que o marido foi lutar na II Guerra Mundial.

Vou contar o que acontece, porque não há spoiler se o filme foi lançado há mais de quatro décadas: quando ela descobre que o marido morreu em combate, entrega-se ao menino. Hoje, o autor seria acusado de pedofilia, mas é bem o contrário: trata-se de uma história delicada, de beleza agridoce e cheia de significados. No final, ela vai embora e deixa-lhe uma carta, na qual diz esperar que ele jamais sofra perdas inexplicáveis na vida. Mas a fuga dela já não é em si uma perda? E não é sempre assim? 

A vida não é, afinal, uma sucessão de perdas? Você opta por uma coisa em detrimento de outra. Você vai deixando pessoas e lugares pelo caminho, enquanto avança e avança. Para onde você avança? Talvez para algum tempo de onde você olhe para trás e, como se ouvisse uma música de Legrand, sinta a vaga saudade de algo indefinido. Então, talvez, você irá recordar, com pesar ou com alegria, que, uma vez, houve um verão.

DAVID COIMBRA

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