sábado, 26 de janeiro de 2019


26 DE JANEIRO DE 2019
MÁRIO CORSO

Quando me aposentar

Quando me aposentar, lerei todos os livros que acumulei. Viajarei para inúmeros lugares. Aprenderei a tocar um instrumento. Estudarei uma língua nova. Vou me dedicar à família, aos amigos, a uma associação protetora de sei lá o quê.

Quantas vezes vocês já escutaram as frases do parágrafo acima, ditas por inúmeras pessoas? O espírito dessas falas é: o tempo livre da aposentadoria será a redenção da vida tediosa que levamos. O sacrifício é agora, mas lá na frente será minha vez.

Essas são as promessas, mas como é na prática? Vi muita gente conseguir inaugurar algo novo em sua vida na maturidade. Mas para cada um dos que se reinventaram, vejo 10 deprimidos na frente da TV, sem conseguir fazer nada do que prometeram a si mesmos. Como só sabem trabalhar no seu ofício, estão sem missão, vagam avulsos procurando um encaixe impossível. Como adquiriam significação apenas da identidade profissional, sentem-se esvaziados, já não sabem quem são.

Entre aqueles que alcançaram seu sonho e os que não, a diferença costuma ser simples: quem começou antes, quem se preparou para o porvir é que chega lá. Aqueles que acreditaram que o "paraíso" da aposentadoria era automático, bastava sair das obrigações e da rotina, se dão mal.

Vejamos os leitores do futuro. É óbvio que depois de anos afunilando o cérebro lendo Twitter e texto de Facebook, ninguém consegue ler um livro. Depois que o cano do entendimento estreitou, não passa nada complexo. Para suportar a arquitetura de um romance, de um ensaio, é preciso a musculação semiótica de toda uma vida. Não se aprende a ler de um dia para o outro, e se pode desaprender caso não haja treino.

O mesmo com as viagens, se você não sai de casa, perde o espírito de aventura, a curiosidade, a coragem. Viajar é uma ciência de difícil doma. Vamos nos desafiando cada vez mais, indo mais longe, suportando choques culturais maiores. Quem postergar as peripécias só conseguirá passear no óbvio, junto a pessoas ainda mais óbvias.

Quem deixar para cultivar amigos e aumentar o leque de vínculos quando tiver tempo dará com a cara no muro. A vida social não é fácil. É a arte de decifrar olhares, de perceber as mil sutilezas, de sacar os subentendidos, que aperfeiçoamos a cada dia, e mesmo assim damos mancadas. Imagina quem começar tarde, a inépcia sabotará todas as abordagens.

Caríssimos, se há algo que descobri nesta existência é que o futuro começa agora. Quando chegar esse momento de maior liberdade, é preciso estar treinado. Não jogue seus anseios para uma hipotética vida futura, construa esse amanhã desde já. Sonhos precisam de adubo, de cuidados. Nada florescerá se não for cotidianamente regado.

MÁRIO CORSO

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