sábado, 14 de dezembro de 2019


14 DE DEZEMBRO DE 2019
INFORME ESPECIAL

Aqui jaz uma palavra

No meio da gritaria, não notamos o covarde assassinato de uma palavra. Primeiro, ela foi estrangulada. Depois, sufocada. Como foi acontecendo devagar, nem reparamos.

Desde que o Brasil rachou, "respeito" perdeu totalmente o seu sentido. Na condição de jornalista, sinto todos os dias. Quando emito uma opinião, inevitavelmente alguém que se sente contrariado dispara um "estás nos desrespeitando". Cuidado. Quando discordar vira desrespeito, algo grave está acontecendo.

Alguns são apenas oportunistas. Outros, desavisados. Respeito nada tem a ver com convergência de opiniões. Às vezes, é exatamente o contrário. O tapinha nas costas e a demagogia são mais fáceis, mas nem por isso respeitosos. Apontar para o outro lado e propor uma nova visão - com a qual se pode ou não concordar - é sim uma forma suprema de respeito. Pelo menos antes dessa palavra simples ter sido esquartejada e enterrada como indigente.

Falácia pseudocomunista

Nada mais capitalista do que distribuir renda. A ampliação e o fortalecimento do mercado são pilares básicos de economias livres e fortes. No Brasil, não. Aqui, o oportunismo abraça a estupidez para carimbar qualquer análise nesse sentido como "comunista". Uma maneira eficiente, embora torpe, de defender o indefensável. A concentração de renda nada tem de capitalista. Ao contrário. Ela gera deformações que ameaçam a democracia e o acesso das pessoas a bens e serviços que gerariam emprego, impostos e bem-estar.

Dois recentes indicadores são lapidares: o PIB aumenta, mas o país cai no IDH, que mede o bem-estar da população. Some-se a isso o desemprego. A conclusão é óbvia: pouca gente ganhando mais. Defender a distribuição de renda não é dizer que todos são iguais e merecem ganhar o mesmo, mas sim reafirmar que uma sociedade incapaz de gerar oportunidades continuará dependendo de bolsas família - agora com direito ao 13º pagamento.

O Brasil é o segundo pior distribuidor de renda do mundo - só fica atrás do Catar (2,7 milhões de habitantes), uma ditadura que vive do petróleo fácil. Enquanto não corrigirmos essa distorção, podemos nos apresentar como quase tudo, menos como capitalistas. E tudo começa, como sempre, pela educação. Aliás, é só olhar os rankings para entender.

VIA DE DUAS MÃOS

Impedir ex-governadores de receber pensão é uma baita injustiça. Para corrigir eventuais distorções, bastaria uma única mudança. Ex-inquilinos do Piratini seriam avaliados com base em seus desempenhos. É só anotar as suas promessas de campanha. Terminado o mandato, um conselho independente avaliaria se os compromissos foram cumpridos. Aí é só calcular.

Para que a equação seja realmente correta, as promessas não cumpridas acarretariam uma penalidade. Dessa forma, governadores que não entregaram o que prometeram poderiam, em tese, pagar multa vitalícia aos cofres que ajudaram a delapidar. A implementação desse novo modelo resolveria muita coisa. Os candidatos, durante os debates, redobrariam os cuidados ao jurar que resolverão todas as mazelas do Estado. Porque na hora da campanha, o que mais se escuta é "eu vou fazer". Depois, muda para "a Assembleia e as corporações não deixaram", como se esses dois protagonistas não existissem na hora da enganação eleitoral.

Nas empresas privadas, os principais executivos são remunerados, em boa parte, pelos seus desempenhos, baseados em metas desafiadores, mas factíveis e contratadas entre as partes. Um governador tem mais poder e responsabilidade do que qualquer CEO de empresa privada no Rio Grande do Sul. No entanto, suas decisões afetam os bolsos de milhões de pessoas, mas não diretamente o dele. Mudar essa lógica mudaria o Estado - para melhor.
TULIO MILMAN

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