terça-feira, 17 de agosto de 2021


17 DE AGOSTO DE 2021
RECORTES DE VIAGEM

Sozinhas pelo mundo

É penoso constatar que as mulheres ainda se sintam inseguras para viajar sozinhas. E que precisem enfrentar, muitas vezes, desaprovação e olhar desconfiado quando decidem partir e nos lugares por onde passam.

Foi mais ou menos essa percepção que levou a designer e fotógrafa brasiliense Jussara Pellicano Botelho, 33 anos, a criar a plataforma Sisterwave, para conectar e encorajar mulheres e saírem pelo mundo com uma rede de apoio, ligando viajantes com moradoras do destino escolhido - em contato, podem ser buscados ou oferecidos serviços como hospedagem, experiências ou dicas, sob uma perspectiva feminina. A ideia, nascida num evento de inovação em Brasília, deu à plataforma o Prêmio Global de Startups da Organização Mundial do Turismo (OMT), pela contribuição ao turismo sustentável e responsável.

Recebida em maio numa cerimônia na Ópera de Madri, a premiação teve outros 24 vencedores e a presença de ministros do Turismo de 30 países. Jussara aproveitou para ficar pela capital espanhola por três meses, prospectando novas parcerias e "globalizando" ainda mais sua ferramenta. Foi de lá, em viagem solo e hospedada em um hostel, que ela conversou com a coluna.

A IDEIA E O NOME

Não queria um nome óbvio e buscava algo que fosse ligado à sororidade. Sister (irmã) foi uma ideia natural e wave (onda) é por ser essa onda contagiante que traz mais gente. Só viajei sozinha pela primeira vez aos 27 anos, ao Butão e à Tailândia 1397059140 fiz parte do trajeto com uma amiga e parte sozinha. Antes disso, tinha medo. Fiz mochilões pela Ásia, América do Sul e Europa e conheci muitas mulheres que viajavam com uma necessidade clara e similar de ter uma plataforma só para mulheres, de se apoiarem, para poderem exercer sua liberdade viajando. 1397124194Eu tinha um estúdio de design e construía plataformas para clientes. Por que não ter a minha própria, com a tecnologia e a sororidade, juntas, ajudando a romper o medo? A ideia surgiu num evento em 2017, e em 2018 lançamos a marca, que começou a operar em 2019. Hoje tenho uma sociedade com mais três pessoas, de outras áreas.1396986481

POR QUE VIAJAR SOLO

Há diversas maneiras de viajar, amo todas elas. Mas quando se viaja sozinha há um momento de autoconhecimento, de ter autonomia para decidir. Traz também empoderamento: você consegue, sabe que é possível. A gente fica mais aberta para fazer conexões e a interação é muito mais fácil. A primeira viagem sozinha é a mais desafiadora: é preciso lidar com o desconhecido, as pessoas te amedrontam, dizem que vão te sequestrar, colocar droga na bebida... Por isso é importante as mulheres se conectarem. Mesmo com medo, se deve ir, mas se conectando, se planejando, buscando informações. É crucial conhecer bem a cultura, saber como funciona, ter dicas locais, de transporte, de lugares para ir. E quando se conecta com outras mulheres, é uma viagem mais imersiva, de mais qualidade, tem mais a ver com seu estilo. Nem o idioma mais é um impeditivo, pois há ferramentas digitais que ajudam, assim como as pessoas.1396986481

O MEDO DAS MULHERES

Há mulheres que querem viajar sozinhas, mas não sabem como fazer isso, têm medo de assédio, de andar sozinhas na rua, de ir a um restaurante ou a uma festa e serem julgadas. Também temem se hospedar em pousadas, hotéis, hostels. Há muitos relatos que não chegam a ser de abuso, mas de um desconforto no jeito como são tratadas. Elas podem vencer isso com conhecimento e com conexão.1396986481

OS PRÓPRIOS MEDOS

Dependendo do lugar, tenho medo de andar sozinha na rua. Ao longo do tempo, fui entendendo o que cada lugar me trazia de segurança ou insegurança, observando se outras mulheres caminhavam por ali, por exemplo. Para as mulheres, existe um toque de recolher invisível, e se acontecer algo com você é culpa sua, como se não tivesse direito de ir ou vir. Sempre pergunto a homens e mulheres qual a hora razoável para retornar de algum passeio e a diferença é sempre de duas horas mais cedo para elas. Já fui abordada de forma ostensiva e agressiva uma vez em Perpignan, na França, à luz do dia. Outra vez, chegando ao hostel no Peru, um bêbado me abordou e me deu um tapa. Muitas mulheres compartilham histórias de empregados de hospedagens que as assediam, e elas dormem com a porta do quarto bloqueada com algum móvel. No caso das brasileiras, ainda há o preconceito e o olhar sexualizado sobre elas. Mas estamos vivendo um momento em que tudo isso está vindo à luz. Antes não se falava nem se viajava sozinha. É incrível, mas no Brasil, até os anos 1950, a mulher tinha de ter autorização do pai ou do marido para viajar.1396986481

PLATAFORMA GLOBAL

A Sisterwave está num momento de transição. Nossa plataforma vai ser global, em português, inglês e espanhol, com uma ampliação de serviços. Vamos manter os tours virtuais dos destinos, mas também teremos presenciais e experiências, assim como cursos. Também haverá uma opção de day use, com jantar ou almoço típicos, mas sem hospedagem. Por último, teremos imersões, uma mistura de cursos com hospedagem.1396986481

IMPORTÂNCIA DO PRÊMIO

O prêmio chegou num momento de crise de forma geral e serviu para nos ajudar a fazer essa conexão global. Estamos recebendo muitas mentorias de empresas como Google e Amazon e nos conectando com outras startups. Foi a primeira vez que uma startup brasileira teve essa distinção, e é importante para o Brasil ser visto. Com a demanda reprimida, a tendência é de haver um boom após a pandemia. 1397124194Os novos nômades digitais farão viagens mais longas, trabalhando e passeando no tempo livre.1396986481

VIAGENS PÓS-PANDEMIA

A preocupação com a questão sanitária será muito forte. Mas a pandemia também despertou as pessoas para outros destinos, trouxe a ideia de viajar para os arredores, para lugares sem aglomeração, causou uma certa descentralização, e a tecnologia pode ser uma grande ferramenta para apresentar esses novos destinos. O Brasil tem muito potencial turístico. Sou uma promoter do país.1396986481

ROSANE TREMEA

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