terça-feira, 31 de agosto de 2021


31 DE AGOSTO DE 2021
RISCO NO SISTEMA

Em crise, mas com potencial

O RS está no foco da escassez energética do país e demanda geração de outras regiões, mas tem projetos para virar o cenário

Com novos projetos de usinas que têm potencial de geração de energia superior aos 14 gigawatts (GW) de Itaipu, o Rio Grande do Sul está no centro da crise hídrica, que ameaça a disponibilidade de energia elétrica no país. Em diferentes estágios e regiões, o mapa dos investimentos previstos elevaria em 125% a capacidade de energia produzida no Estado, dos atuais 7,1 GW para 15,89 GW.

Os aportes superam R$ 80 bilhões em plantas hidrelétricas, termelétricas e eólicas. As usinas, segundo relatório da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), estão localizadas na região da Serra e na fronteira com a Argentina e somam 15,5 GW de capacidade. Já os eólicos contemplam Litoral, Costa Doce e fronteira com o Uruguai, com capacidade de 390 megawatts (MW).

Para se ter ideia, a região sul do Brasil atualmente possui 30 GW de capacidade instalada, um quarto dos quais no RS (7,145 GW) . Isso equivale a 23% do total da geração de energia elétrica no país. As hidrelétricas representam 83% da matriz regional.

Os três Estados (RS, SC e PR) contam com 14% da população brasileira, mas utilizam 17% da energia disponível no país. O consumo total, per capita, também é 14% superior à média nacional. Quando a análise é o uso residencial da Região Sul, percebe-se que a demanda supera em 12% a média do Brasil, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Segundo a mesma base de dados, desde 2013, no lançamento do Plano Decenal de Energia, já havia previsão de aumento na demanda em 40%, até 2022.

- Temos uma Itaipu, bem aqui dentro (no RS), em pequenos projetos. Se tivermos mais celeridade poderemos avançar, não só em energia, mas em geração de renda e no preparo para futuras crises que virão - afirma o coordenador do Grupo Temático de Energia e Telecomunicações do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Edilson Deitos.

Segundo ele, mesmo que a lógica do sistema nacional seja a integração e os investimentos em geração ocorram onde o custo é mais baixo, a capacidade dos projetos gaúchos não deve ser desprezada. Mas, no papel, não amenizam a situação atual, que começa nos reservatórios das hidrelétricas, em 2019, e chega, agora, de modo mais efetivo ao bolso dos consumidores com reajuste de tarifas.

O professor Guilherme Fernandes Marques, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos (Gespla) da UFRGS, explica que a intensificação da estiagem, na maior escassez de chuvas dos últimos 91 anos, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), esvaziou os reservatórios de água das principais hidrelétricas do país, que respondem por 64,9% da matriz energética nacional.

Como o modelo de operações é o Sistema Interligado Nacional (SIN), quando uma determinada região está com baixo estoque, a geração é concentrada em outra com maior disponibilidade. Assim, é feito o intercâmbio de energia entre regiões, com o uso das linhas de transmissão que conectam o país.

Em 2019, o Rio Grande do Sul consumiu 88,7 gigawatts por hora (GWh) e produziu 136 GWh. Mesmo que o sistema seja integrado, até este momento, a relação era superavitária. No entanto, Estados das regiões Sul e Sudeste, antes exportadores, agora demandam eletricidade de outras unidades, dentro do SIN.

Agravamento

Com a intensificação da estiagem, a seca chegou à bacia do Rio Paraná e, em 2021, o Sul passou a receber energia do restante do país. O subsistema Norte, antes importador, produziu excedentes e lançou 3,595 MW no sistema interligado nacional, em janeiro deste ano.

Agora, com baixa disponibilidade de água tanto no Sul quanto no Sudeste, comenta o professor da UFRGS Guilherme Fernandes Marques, é necessário segurar ao máximo os reservatórios para ampliar a capacidade de geração ao longo do tempo. Isso acontece porque, em níveis muito baixos, as turbinas hidrelétricas não operam.

- É preferível gerar um pouco menos de energia por um tempo para ampliar os reservatórios do que continuar em condições normais e, de repente, ter de interromper a geração. Se parar, aí, sim, existe um alto risco - analisa o professor Marques.

Antes disso, de modo preventivo, em novembro de 2020, o ONS já havia recomendado o uso de termelétricas com o objetivo de poupar a água dos reservatórios. A medida, sempre que necessária, encarece o custo de produção, uma vez que estas usinas precisam arcar com preço dos combustíveis (óleo, gás, carvão), inexistentes na geração hídrica.

Algumas termelétricas demandam até R$ 2 mil por MW/hora, enquanto nas hidrelétricas os valores são inferiores a R$ 300 por MWh. Por esta razão, o Ministério de Minas e Energia já projeta que, além dos repasses consolidados, o acionamento das usinas térmicas resultará em custo adicional de R$ 9 bilhões aos consumidores.

O coordenador da Fiergs Edilson Deitos confirma que o momento é delicado, mas diz que as medidas possíveis foram adotadas. Para ele, as políticas do sistema elétrico têm efeito de longo prazo e, por isso, muito da atual conjuntura é consequência da Medida Provisória (MP) 579, convertida na Lei Federal 12.783 de 2013.

Naquele momento, foram privilegiadas as chamadas usinas fio d?água, ou pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Ou seja, com reservatórios apenas para a regularização diária ou semanal, mas com baixa capacidade de armazenamento.

- Isso mostra o quanto a falta de grandes reservatórios gera impactos ambientais, econômicos e sociais. É o momento de analisar a grande dependência que temos em energia e não gerar tantos entraves para projetos desta área - defende Deitos. - Em momentos de crise hídrica, o importante é avaliar o ambiental, mas também o econômico e o social, e o que a falta de uma maior celeridade na aprovação poderá causar - acrescenta.

RAFAEL VIGNA

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