sábado, 21 de agosto de 2021


Na direção do Talibã

Enquanto militantes do Talibã adentravam o palácio presidencial em Cabul e se entreolhavam perplexos, sem saber o que fazer, um porta-voz dos jihadistas anunciava no Cairo o triunfo da insurreição. "Alcançamos o que pretendíamos: a liberdade do nosso país e a independência de nosso povo", proclamou Mohamed Naheem, intérprete de um movimento que já governou o Afeganistão como se fora a Era das Trevas.

Sempre que se ouvirem as palavras "liberdade" ou "povo" na boca de lideranças políticas, é melhor colocar um pé atrás. Quando elas vêm juntas na mesma frase, então, deve-se acender o alerta vermelho de perigo de populismo mesclado com radicalismo. É o que se vê, por exemplo, em notas oficiais e posts de governos e políticos autocratas mundo afora, Brasil inclusive, que defendem uma suposta liberdade de contaminar seus semelhantes ou de planejar o fim da democracia. Liberdade não existe para matar a liberdade - nem outros seres humanos.

Estandartes de golpismos, os propositadamente vagos conceitos de liberdade e povo são como charuto em boca de bêbado: vão de um lado para o outro conforme a vontade do democracida de turno. Liberdade é, de fato, um sentimento único. Para uma carmelita enclausurada, pode ser a abdicação das coisas mundanas e dos prazeres terrenos em nome da espiritualidade. Para um jovem, pode ser o primeiro salário e a independência financeira. Para um pai, o sono tranquilo de que a filha pode caminhar à noite sem risco de ser importunada. E por aí vai.

Muitas vezes, liberdade precisa de um complemento para se autoexplicar. Liberdade de imprensa todo mundo entende. É não haver ameaças ou censura contra jornalistas e veículos de comunicação, que, aliás, têm responsabilidade legal e ética pelo que difundem. Já liberdade de expressão exibe mais nuances. Um exemplo clássico: o sujeito que grita "fogo" em um teatro lotado e causa mortes por pisoteamento pode alegar que estava apenas exercendo sua liberdade de expressão? A civilização avançou bastante para aceitar limites à liberdade, circunscrita pelo respeito à liberdade, aos direitos e à vida dos outros.

Para regular as liberdades, existem as leis, apadrinhadas pela Constituição. No Estado de direito, prevalecem as leis, que, antes de tudo, precisam ser defendidas e praticadas por todos os poderes. É o Estado de direito que assegura as demais liberdades, inclusive para se proteger contra os que tentam esmagar as liberdades democráticas do povo. Povo, por sinal, não é aquela bolha que vai na manifestação de um candidato. É o conjunto de uma nação, com todas as suas saudáveis diferenças. E quem se atreve a ser porta-voz dele como se fora uma massa uniforme já deu seu passo rumo ao extremismo, na mesma direção em que foi o Talibã.

MARCELO RECH 

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