sábado, 21 de agosto de 2021


21 DE AGOSTO DE 2021
BRUNA LOMBARDI

DUAS ESTRELAS

Entre milhares de pessoas que partiram, o público brasileiro perdeu dois talentos imensos e eu perdi dois colegas queridos, dois parceiros de jornadas e histórias.

Durante décadas, rimos, choramos, emocionados com os personagens que criaram e eu tive o privilégio de conviver com cada um deles de um jeito diferente.

Com Paulo José, durante mais de um ano, fiz a peça de teatro Eu te Amo, do Arnaldo Jabor, que também a dirigiu. Fazíamos sete sessões por semana, duas no sábado e duas domingo, num convívio íntimo e diário. Muito camarim, muita conversa, muita troca, muita intimidade de bastidores, confidências e amizade. Paulo era culto, inteligente, apaixonado pelo ofício. Nunca perdeu seu sotaque gaúcho e nem sua mania de contar causos, histórias. Conhecia centenas. Gostava de reflexões, citações e poesia. Adorava fazer surpresas e chegava declamando poemas pelos corredores, depois entrava no meu camarim para receber aplausos. Tinha a vaidade de um eterno adolescente e sabia brincar sobre isso. Analisava tudo com olhar agudo e senso crítico e nunca perdia o humor, nem o sarcasmo.

Com seu talento versátil, sempre soube construir personagens adoráveis e era querido por todos, um menino que envelheceu de repente, como ele mesmo dizia.

Trabalhei muitas vezes na TV com Tarcísio Meira, que já era uma figura icônica quando o conheci. Eu o assistia, ainda menina, nas novelas e nunca imaginei que um dia fosse contracenar com ele. O Tarcísio parece ter vindo ao mundo para ser o ícone que foi, esse gigante, o maior nome da televisão e o rosto mais marcante.

Ele era grande, forte como um touro e indizivelmente delicado. Um ser de imensa gentileza com todos que o cercavam. Todo mundo adorava o Tarcísio e de certa maneira temiam o poder que emanava dele, de forma tão natural.

Mas quando o conheci melhor, além dessa imagem, descobri um cara tímido, introvertido, que sonhava ir para sua fazenda no Pará, de adentrar no mato e ficar quieto, longe dessa vida da cidade.

Fiz alguns trabalhos memoráveis com ele na TV Globo, como Roda de Fogo, Corpo e Alma e a série Grande Sertão Veredas, direção do Walter Avancini. Vivíamos ainda na época final da censura no Brasil quando Roda de Fogo quebrou os paradigmas e foi a primeira obra a falar da corrupção nas camadas privilegiadas da sociedade. Falava da impunidade da dita "elite", que faz e desfaz com seus podres poderes, comete todo tipo de crime, sem sofrer julgamento e castigo. Nunca antes esse assunto tinha vindo à tona e corrupção da classe alta era um tabu perigoso durante a ditadura.

Tarcísio quebrou sua marca registrada e viveu um vilão. A TV quebrou sua tradição e fez o vilão ser protagonista e eu fiz uma juíza que, mesmo sendo defensora rígida de princípios e valores, acaba cometendo a grande falha humana de se apaixonar.

Em Corpo e Alma, também fizemos juntos grandes cenas dramáticas e lembro da cena final de abandono, nós dois aos prantos, e depois enlouquecida dirigi pela estrada até cair do penhasco num acidente de automóvel. Uma daquelas paixões trágicas que superam a morte.

O nosso encontro maior e mais difícil foi no ermo do sertão, no meio do nada, nonada, eu Diadorim, ele o demo, o horrível Hermógenes, com quem eu tinha que lutar fisicamente e vencer e matar a facadas o meu maior inimigo. na cena lendária de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa.

Lembro disso tudo porque atrás de cada uma dessas grandes encenações existia nossa parceria, nosso companheirismo, a força que ele e a Glória, sua mulher da vida toda, me davam em qualquer situação. Agradeço ao destino por me proporcionar esses lindos momentos e olho para o céu sabendo que agora existem duas estrelas a mais.

BRUNA LOMBARDI

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