segunda-feira, 21 de outubro de 2013


21 de outubro de 2013 | N° 17590
CAROL BENSIMON

O slogan mais estranho do mundo

Uma tarde ruidosa na rua Mostardeiro e eu entrei em um banco. Estou sentada com aquela estranha sensação de quem pegou uma senha para ser atendido, mas é a única pessoa aguardando na sala. Há uma tevê ligada. Um pouco antes, uma voz tinha me pedido para mostrar a bolsa perto de uma janela onde não se via o outro lado.

Eram frases estranhas que acentuavam o caráter robótico e bizarro de nossa interação, de modo que tive certeza que o segurança estava brincando um pouco de voz do além, mas não o repreendi mentalmente por isso porque sabia que aquele devia ser um trabalho ingrato. Deboche para aliviar. Justo.

Eu quero falar sobre o slogan mais estranho do mundo. Estamos chegando lá. É claro que eu ainda não fui atendida e então acompanho quase sem querer o que se passa na televisão.

O apresentador Amaury Jr. circula por seu habitat natural, festa colunável com loiras de dentaduras perfeitas, eu fico esperando surgir uma limusine SUV com frisos de neon azul, mas Amaury Jr. está muito empenhado em discorrer sobre as benesses do cartão Visa TravelMoney Platinum. Depois da cantilena de vantagens, lá vem o slogan (não está claro se é do programa ou do produto apresentado): “conhecer o mundo antes de deixá-lo”.

Conhecer. O. Mundo. Antes. De. Deixá-lo. Não me lembro de nenhuma frase mais dolorosa e densa em um contexto comercial. Como todos sabem, a publicidade costuma dourar a pílula. Ressaltar o lado positivo e minimizar os percalços é o seu dever, o que inclusive faz com que as coisas que nos parecem chatas, como os bancos, virem um combo de parquinho de diversões e algumas lições de vida.

Nesse sentido, lembrar-nos de que vamos morrer um dia parece a ideia mais estranha que poderia surgir durante um brainstorm. Não quero ter em mente o raio da minha mortalidade. Comprei um livro chamado “1001 filmes para ver antes de morrer”, mas ele fica escondido atrás dos romances latino-americanos. Só assim meus dias passam em relativa paz.

Se você reparar, até a publicidade das empresas que lidam diretamente com a morte precisam pisar em ovos. Há um crematório que assina um vago “essa é a minha escolha”. Um cartão para os conveniados de uma funerária tem como slogan “ajuda em boa hora”.

Mas aí temos Amaury Jr. apresentando um cartão pré-pago para ser usado em viagens ao Exterior, e não parece sequer lógico que esse misto de programa de variedades com matéria patrocinada lembre que vamos todos morrer. Ou será que uma afirmação dessas cria o desejo repentino de visitarmos o Grand Canyon?


Então meu número pisca no painel luminoso. Anoto rapidamente a frase e levanto meio atordoada. Talvez o pior slogan das últimas décadas. Talvez um bom verso de blues.