terça-feira, 29 de outubro de 2013


29 de outubro de 2013 | N° 17598
DAVID COIMBRA

Eu, ridículo

Uma das poesias de Fernando Pessoa de que mais gosto é o Poema em Linha Reta, que ele assina sob o heterônimo de Álvaro de Campos.

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,(...)

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;(...)

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...(...)

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Tenho apreço especial por este poema porque, para mim, ele serve de consolo. Afinal, já fui tantas vezes ridículo na vida... Já fui humilhado por mulheres que amei, demitido de empregos dos quais não pretendia pedir demissão, já levei porrada, como diz o poeta, já passei muita vergonha, e sei que todos os dias corro o risco de passar por isso de novo.

Realmente não me acho grande coisa. Queria ser um dos campeões, um dos príncipes citados por Fernando Pessoa. Vejo tanta gente a se jactar dos seus talentos, dos seus sucessos, e eu aqui tão... normal.

Mas tem o seguinte: ao fazer essa confissão, não significa que passo por alguma crise de amor-próprio. Nada disso. Não desgosto de mim e sei que tenho meus méritos. Um deles é que consigo me recuperar dessas ridicularias e dessas humilhações. Já voltei para empregos de que havia sido demitido, e voltei por cima. Já tive de volta mulheres que amei e que me maltrataram, e elas voltaram me amando de verdade. Ou então consegui empregos melhores e mulheres melhores. Ou simplesmente fui em frente e suplantei os reveses com bom humor.

O fato é que me reergui, tenho me reerguido.


Fernando Pessoa poderia ter escrito um poema sobre isso, sobre a sobrevivência, sobre a resistência, sobre a bravura da alegria. Você perde hoje, ganha amanhã. O futebol dá essa lição todos os dias. É verdade: o Grêmio foi ridículo em Curitiba. Foi humilhado e enxovalhado. Mas amanhã vai ser outro dia.