sábado, 26 de outubro de 2013


27 de outubro de 2013 | N° 17596
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

SONATA EM VIENA

Estava em Viena, na plenitude do verão europeu, e estava deslumbrado com a cidade. Viena é linda, classuda e, cem anos atrás, foi o centro do mundo. Imagine que, em 1913, moraram ao mesmo tempo em Viena seis homens que mudaram a História da Humanidade: o arquiduque Franz Ferdinand, que, no ano seguinte, seria assassinado por um estudante, desencadeando a então chamada Grande Guerra; Adolf Hitler, que desencadearia a II Guerra, muito maior daquela que todos achavam Grande;

Joseph Tito e Joseph Stálin, que além de serem ambos Josephs foram ambos ditadores sangrentos; Trotsky, que se encontrou com Stálin naquele 1913 e que, 27 anos depois, seria morto a mando dele com uma picaretada na cabeça; e Freud, que, se tivesse tratado essa gente toda, evitaria dissabores a milhões de pessoas.

Em homenagem a esse gênio da raça humana, Sigmund Freud, fui ao apartamento onde ele morava e atendia, na rua Berggasse, 19. Saí de lá ainda mais encantado e resolvi experimentar um chá com torta no café que era frequentado por Freud. Fiz isso, tomei o chá e fiquei imaginando Viena nos albores do século 20.

Então, atravessei a rua em direção ao parque onde está incrustada a prefeitura da cidade. Acontecia uma festa ali. Barraquinhas vendiam comida e bebida, e as pessoas circulavam com seus pratos e copos na mão. Estranhei: os pratos eram de porcelana e os copos de vidro, louças de boa qualidade, que a gente podia usar em casa.

Pois os vienenses andavam por lá com aqueles pratos cheios de comida deliciosa, com os copos cheios de cerveja quase gelada e, ah!, com talheres de aço inox. Vi que se encaminhavam para o prédio da prefeitura, sentavam-se em cadeirinhas de palha trançada em frente às escadarias do portal de entrada, e fui para lá também. Uma orquestra preparava-se para começar um concerto. Um concerto ao ar livre na noite do verão vienense.

Fiquei emocionado com aquela demonstração de civilidade. As pessoas comiam, bebiam e depois devolviam os talheres, pratos e copos às barraquinhas. Em meio a isso tudo, ouviam a música em silêncio, compenetrados, sorvendo a noite. Também me pus a sorver a noite, sentindo nobre delicadeza daquele momento, até que... a orquestra parou por um momento.

As atenções se voltaram, todas, para o pianista. Ele se aprumou na banqueta. Concentrou-se. E começou a tocar. Era a Sonata ao Luar, de Beethoven, e aquela melodia encheu a noite e o meu coração, e foi mágico, foi como se estivesse flutuando no céu europeu, como se pudesse sentir toda a dor e o arrebatamento que um dia aquele gênio sentiu. Até hoje, quando escuto a Sonata ao Luar, volto a Viena, vivo de novo aquela noite de verão e sinto a alma leve, como a alma sempre devia ser.

Culpa da lua

As noites do Rio são suaves em junho. Naquela noite eu estava na Lagoa e, por algum motivo, olhei para o azul-escuro do céu, e então vi o Cristo se acendendo.

O Cristo aceso já vi muitas vezes, nunca tinha visto se acendendo. Tão bonito. E, naquele exato instante, enquanto a luz azul ia banhando o corpo de pedra do Redentor, de algum lugar evolou-se uma música do velho Bob Seger. Shame on the Moon. Culpe a lua. Foi como se estivesse vivendo com trilha sonora. Aquela lua imensa e intensa lá em cima, o Cristo embaixo e, mais embaixo, eu, tão pequeno, pensando que, sob aquele cenário, todo sentimento é grande, toda paixão e dor são possíveis. Por culpa da lua. Tudo culpa da lua.

Sua respiração

O Ricardo Fabris tinha um Fusquinha verde. Ou vermelho, não lembro.

Aquele Fusquinha, nós enchíamos o porta-malas dele de cerveja e íamos para a praia. Morávamos em Criciúma, eu e meu amigo Ricardo Fabris. Nosso objetivo, naqueles finais de semana no litoral catarinense, era um só. Não.

Eram vários: as meninas loiras, morenas, ruivas, negras, orientais, grandes ou pequenas, mas todas luzidias do sol tropical.


Estávamos sempre apaixonados por uma delas, eu e o Ricardo, sempre sonhando com algum romance. Às vezes dava certo, às vezes dava errado. É da vida. Mas, fosse como fosse, sempre chegava um momento em que o Ricardo botava uma fita do The Police no som do Fusquinha. Every Breath You Take. A cada suspiro que você der, a cada movimento que você fizer, a cada elo que você quebrar, eu estarei cuidando de você, beibe. Ah, sim, ao som do Police, dava mais certo do que errado.