sábado, 23 de novembro de 2013


24 de novembro de 2013 | N° 17624
O CÓDIGO DAVID

EU SOU UM BEAGLE

2013 foi estranho. Em 2013, transformei-me em um beagle.

É. Sou um beagle de laboratório. Sirvo como cobaia em um estudo internacional que desenvolve um medicamento contra o câncer. E sou um beagle feliz, satisfeito por estar sendo tratado com o que há de mais moderno na ciência. Mas, admito, não posso dizer o mesmo a respeito de meus outros colegas beagles. Os de quatro patas, digo.

Eles, suponho, não foram consultados sobre sua participação em pesquisas. Provavelmente prefeririam vagabundear pelas ruas, correr atrás de alguns gatos e virar as latas de lixo das esquinas. O problema é que, sem eles, sem os beagles, os ratos, as cobras e as outras cobaias, sem eles não haveria esses medicamentos avançados e muitas, muitíssimas pessoas morreriam de câncer e centenas de outras doenças.

Logo, nós beagles, com ou sem consentimento, prestamos valioso serviço à Humanidade e até a outros animais que sorvem oxigênio debaixo do sol, já que todos, homens e bichos, são inescapavelmente atacados por doenças. É por isso que sou a favor de experiências com animais, desde que eles não sofram. Ou que sofram o mínimo possível.

Mesmo assim, entendo o movimento de seres humanos em defesa dos beagles de laboratório. Os beagles todos, com exceção deste que vos escreve, são tão bonitinhos. O Snoopy é um beagle, não é? Então! Bonitinhos.

Entendo até que os seres humanos não invadam laboratórios para salvar ratos e cobras. Não consigo imaginar um defensor de animais arrombando um centro de pesquisas e, depois, sair dele aninhando nos braços amorosos uma ratazana ou uma serpente. Normal. Ratos e cobras não são tão bonitinhos. Eu mesmo, quando me classifiquei como cobaia lá em cima, no cume do primeiro parágrafo, não disse que sou um rato, não disse que sou uma cobra; disse que sou um beagle. Muito melhor ser um beagle. Eu sou um beagle.

Certo.

Agora, como cobaia assumida, como um beagle feliz, tenho a tendência de achar que as pessoas que sabotam pesquisas científicas sejam obscurantistas, sejam espíritos medievos. Nada disso. Elas são apenas vítimas da sua própria compaixão. Vítimas dos ardis da Natureza. Porque é assim que a Natureza funciona. Bebês e filhotes são fofos e mimosos exatamente porque são inofensivos. A beleza é a forma que eles têm de comover eventuais predadores e, às vezes (nem sempre), sobreviver. Li isso em algum lugar, acho que na National Geographic. Portanto, salvem os beagles, morram as cobras e as ratazanas. Afinal, beagles são tão bonitinhos.

O AGOSTO QUE VIRÁ

O maldito 2013 ainda não acabou. Faltam 37 dias, uma eternidade.

Tenho medo.

Esses anos ímpares, francamente. A boa notícia é que, mais um ano terminado em 13, só daqui a um século. Fica o alerta: cuide-se com 2113! Não confie nisso de que o 13 não dá azar. Não confie no Zagallo.

Outra boa notícia, algo que descobri esta semana, é que agosto de 2014 terá cinco sextas, cinco sábados e cinco domingos. Disseram-me que isso, por algum motivo, é muito bom. Acredito. Preciso acreditar em bons augúrios. Então, estou esperando com ansiedade esse luminoso agosto de 2014. Espero estar respirando e forte para atravessar seus 31 dias com garbo e ver setembro chegar, e com ele a primavera.

O que faremos com tantos finais de semana em um único mês? Viagens? Viagens são superestimadas. Há quem diga que a verdadeira personalidade de uma pessoa é revelada em uma viagem. Não é bem assim. O que você descobre, numa viagem, é se uma pessoa é insuportável. Um amigo meu, certa feita, conheceu uma moça, teve com ela um interlúdio, empolgou-se e a convidou para um passeio de uma semana pelo Nordeste. Começaram a se odiar no avião, sobrevoando o Atlântico, na altura do Rio. Voltaram em voos diferentes. Nunca mais se falaram.

Só que a distância também pode maquiar os defeitos. Numa viagem prazerosa, tudo é... bem... prazeroso. O ramerrão do dia a dia é que mostra quem é quem. O ramerrão do dia a dia é que mostra a diferença entre gigantes e anões, mulheres e meninas.

Bem. Se você gosta da sua própria companhia, pode viajar sozinho. O meu amigo Dinho, o Fernando Eichenberg, uma vez alugou um carro e passou 15 dias circundando a ilha da Córsega. Esteve sempre sozinho, e feliz.

O problema é que as pessoas precisam de testemunhas para viver. Eis a lógica do casamento. Os integrantes de um casal são testemunhas da vida um do outro. Uma testemunha é uma prova de existência. A pessoa só existe quando as outras pessoas sabem que ela existe, quando os outros testemunham sua vida. Essa também é a lógica do Facebook.

Devo entrar no Facebook em 2014? E, já ia esquecendo, o que farei com os cinco finais de semana do próximo agosto? O que farei com todo o próximo ano? Não sei. Aí é que está. Eu não sei. Só sei que 2014 urge. E que o maldito 2013 está no fim. Que se vá. Mas não vou cantar vitória antes do tempo. Faltam 37 dias. Uma eternidade.