quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017



16 de fevereiro de 2017 | N° 18770 
L. F. VERISSIMO

Abrigos

Cursei uma “high school” em Washington onde, regularmente, tínhamos ensaios para o caso de ataque nuclear. Íamos todos para o porão da escola, onde ficávamos até passar o perigo imaginário. Ninguém acreditava que o porão da escola fosse nos proteger dos mísseis russos, quando viesse um ataque de verdade. E acho que muitos dos meus colegas devem ter pensado, como eu, no que nos esperaria lá fora se sobrevivêssemos a um ataque real. Washington arrasada, a radiação envenenando tudo, nossas casas e nossas famílias reduzidas a cinzas. De nada adiantaria voltar correndo para o porão da escola. Estávamos liquidados de qualquer maneira.

Isto foi nos anos 50, no auge da Guerra Fria, quando Estados Unidos e União Soviética mantinham seus respectivos foguetes apontados um para o outro, só esperando que um ou o outro apertasse o botão fatídico. Muita gente nos Estados Unidos construiu um abrigo antiatômico no seu jardim, e uma questão ética tomou conta do país: o dono de um abrigo antiatômico estaria justificado ou não em rejeitar no seu abrigo a família do vizinho imprevidente que não construíra o seu?

Li numa New Yorker recente que americanos milionários estão construindo, não abrigos, mas comunidades de segurança inteiras, estocadas e aparelhadas para resistir à tempestade de cocô, que, ninguém duvida, vem aí. A ameaça não é mais míssil nuclear – se bem que armas nucleares nas mãos de norte-coreanos sem nenhum pudor aparente de apertar o botão também preocupam – mas convulsões sociais na América e na Europa, que os “survivelists” (sobrevivencialistas?) consideram inevitáveis, além dos efeitos de terremotos, aquecimento global e outros cataclismos naturais.

Estamos de volta ao porão da minha “high school” em Washington e aos terrores da Guerra Fria, com algumas diferenças. O porão agora está equipado para resistir a sítios prolongados, e a questão ética – deixar ou não o vizinho entrar – não existe mais: só entra milionário. A matéria da New Yorker diz que é grande o número de milionários americanos comprando terras na Nova Zelândia, supostamente o lugar ideal para fugir da tempestade. Sobreviver ou não ao fim do mundo depende do seu saldo bancário.