quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017



22 de fevereiro de 2017 | N° 18775 
FÁBIO PRIKLADNICKI

ÉTICA E AFETO

Tenho de confessar: assisti a Manchester à Beira-Mar e não chorei. Mas não me entenda mal. É um filme emocionante do início ao fim, por isso é normal ouvir espectadores fungando no cinema. Eu os invejo: adoraria ter chorado também, com este e outros títulos.

O mais próximo que cheguei disso foi ao experimentar, na infância, uma profunda melancolia depois de assistir ao desenho animado Fievel – Um Conto Americano (1986). Não sei se você lembra: é a história de um camundongo russo que se perde da família ao emigrar para os Estados Unidos. Seria interessante vê-lo novamente, com a bagagem cultural adquirida com o passar dos anos (décadas!), para compreender os aspectos geopolíticos, mas nunca tive coragem. É um filme muito triste.

Um dos motivos que tornam Manchester à Beira-Mar uma experiência tocante é a maneira como retrata a relação entre ética e afeto. Na trama, o faz-tudo Lee (vivido por Casey Affleck) é solicitado a ser o tutor do sobrinho depois da morte do irmão. Durante a exibição, acompanhamos a maneira humana, demasiadamente humana como ele lida com o dilema de aceitar ou não a tarefa. Por meio de sua história de vida, revelada aos poucos, em flashbacks, passamos a compreender suas motivações. Podemos julgá-lo ou não, mas não me parece que seja uma maneira proveitosa de experimentar o filme. Para saciar nossa sanha de julgamento, já temos os reality shows.

Durante muito tempo, os filósofos discutiram a natureza do certo e do errado, da virtude e do vício, do belo e do feio. Muitos continuam debatendo sobre isso, mas a vida, na prática, não é feita de conceitos éticos atemporais e universais. Os eventos acontecem dentro de contextos, o que quer dizer que nossas decisões podem ser diferentes em uma situação e outra. 

Quem vê de fora pode nos acusar de incoerência ou hipocrisia – em outras circustâncias, talvez sejamos nós os acusadores. É que a ética não é uma equação matemática. Ela é informada pelos afetos, emoções e outros elementos não racionais, por mais inquietate que isso possa parecer. A arte tem a qualidade de revelar esse tipo de sutileza.