terça-feira, 28 de fevereiro de 2017



28 de fevereiro de 2017 | N° 18780 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

CLEMENTINA, FIGURA MAIOR

Assim que li o anúncio, saí correndo a encomendar, na Bamboletras, a biografia Quelé, a Voz da Cor – Biografia de Clementina de Jesus, saída agora pela Civilização Brasileira, de autoria múltipla – Felipe Castro, Janaína Marquesini, Luana Costa e Raquel Munhoz. Como o prezado leitor sabe, trata-se de uma das figuras mais impressionantes da cultura brasileira no século 20.

Não foi criadora, não compôs sambas novos; sua força vinha diretamente da experiência de vida – neta de escravos, nascida em Valença, interior do Rio de Janeiro, de pai trabalhador manual e de mãe rezadeira e faz-tudo – , de sua impressionante performance de canto e dança ao interpretar canções tradicionais aprendidas pelo método mais tradicional do mundo, a audição compartilhada comunitariamente, e, terceiro fator, de uma jogada da sorte.

Nascida em 1901 e falecida em 1987, ela viveu como empregada doméstica e quituteira até os 63 anos de idade (com filhos e netos e toda a dureza que se pode imaginar), quando foi vista cantando numa festa religiosa por Hermínio Bello de Carvalho, poeta e produtor artístico. Daí pra frente, e apenas daí pra frente, ela passou a fazer shows, a gravar, a ser ouvida para além dos estreitíssimos limites de sua comunidade familiar. Se o leitor não quiser ir além, vá pelo menos ao youtube ouvi-la ao lado de Pixinguinha e João da Baiana. E depois me diga. Ou nem diga nada.

Pena é que a biografia não é boa. Talvez por ter sido escrita por tanta gente, o texto é muito desigual e repetitivo, com enquadramentos históricos e contextuais defeituosos, e, no fim das contas, consiste apenas em uma costura entre reportagens e comentários sobre sua obra. 

Chama a atenção o descuido editorial, que não providenciou um copidesque. Exemplo: “A freguesia de Jacarepaguá era a de maior população escrava no município da corte, situação que se agravou após a Lei Áurea em 1888” (p. 36). Como é: houve incremento da população escrava depois de 88?

Agora, engolindo essas falhas, que não são poucas, ali está a vida de uma grande figura brasileira.