quarta-feira, 17 de janeiro de 2018


17 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Bois e porcos que voam

Os americanos às vezes usam uma expressão curiosa, quando querem dizer que algo é impossível de acontecer: "When pigs fly". Quando os porcos voarem.

Você pergunta, por exemplo:

- Será que vou conseguir emagrecer os quilos a mais que adquiri no rigoroso inverno da Nova Inglaterra ao jantar todos esses lombinhos com batatas douradas e todas essas massas à bolonhesa e todas essas bacalhoadas à Gomes de Sá, tudo sempre regado a oloroso vinho tinto da Califórnia ou até mesmo do Chile?

O americano responde:

- Claro que sim. Quando os porcos voarem.

Sempre que eles falam isso, lembro-me da história do Boi Voador e, em seguida, da nossa Cidade Sorriso, a leal e valerosa Porto Alegre.

Por que tal associação?

Bem, se você não recorda da história do Boi Voador, conto. É um dos capítulos mais saborosos da história brasileira. Ocorre que, em meados do século 17, parte do Brasil, mais especificamente Pernambuco, pertencia aos holandeses. O governador dessa colônia era um alemão que trabalhava para a Companhia das Índias Ocidentais, o conde Maurício de Nassau. Esse conde talvez tenha sido o mais competente entre todos os governantes brasileiros.

Naquela época, remotos mil seiscentos e tantos, Maurício de Nassau transformou a antiga Recife em uma cidade viva, a mais importante da América do Sul. Construiu jardim botânico e jardim zoológico, fez planos de urbanização e de esgoto, ergueu palácios, criou um museu e um observatório astronômico, organizou o corpo de bombeiros, a coleta de lixo e a administração pública.

E fez pontes.

Como você sabe, Recife é conhecida como "a Veneza brasileira", porque foi construída entre rios e áreas alagadiças. Maurício de Nassau pretendia esticar uma ponte sobre o Rio Capibaribe para ligar a cidade a um de seus palácios, que, aliás, foi o primeiro edifício de vulto erguido no Brasil. Contratou um engenheiro para o trabalho, só que, como sói acontecer, a obra atrasou. Os holandeses da Companhia das Índias começaram a achar que ele nunca terminaria a tal ponte e os moradores da cidade passaram a dizer que a obra só seria entregue "quando um boi voasse".

A chacota irritou Maurício e ele tomou a obra a peito. Concluiu-a em quatro meses e preparou uma grande festa de inauguração, anunciando que, naquele dia, um boi ia realmente voar. Mais do que isso: revelou a identidade do boi voador, um bicho conhecido de todos os moradores da cidade, famoso por sua mansidão, de propriedade de um fazendeiro local chamado Melchior. Detalhe: para ver o boi voar, os antigos recifenses teriam de atravessar a ponte e, para atravessar a ponte, teriam de pagar pedágio.

Como Maurício de Nassau era homem de cumprir suas promessas, o povo acreditou que o boi poderia mesmo voar. A festa foi um sucesso, todo mundo cruzou a ponte, o que encheu os cofres do município. Estavam todos esperando o anunciado voo do boi. E, às dez da noite, de fato, o fazendeiro Melchior surgiu com seu boi e o levou para dentro do palácio.

Minutos depois, deu-se o impossível: o boi decolou e atravessou a praça num voo de uns 10 metros de altura, entre um prédio e outro, para espanto da população e regozijo do conde. É que Maurício havia mandado matar e empalhar outro boi e, por meio de um sistema de fios e roldanas, fez com que ele "voasse" acima das cabeças da plateia.

Os recifenses ficaram boquiabertos com o fenômeno, mas, ao fim da apresentação, descobriram o engenho. Não se revoltaram. Ao contrário: caíram todos na gargalhada, provando o bom humor e a sabedoria do povo daqueles tempos.

E é por isso que me lembro de Porto Alegre, quando penso nessa história maravilhosa. Porque tudo indica que as tão festejadas obras da Copa de 2014 só ficarão prontas, mesmo, quando os bois, ou quem sabe os porcos, voarem.

DAVID COIMBRA