sábado, 20 de janeiro de 2018


20 DE JANEIRO DE 2018
J.J. CAMARGO


ENQUANTO A CIVILIDADE NÃO CHEGA... E CHEGARÁ?

A vigilância e o medo são instrumentos de defesa. Os excessivamente descuidados e os destemidos estarão sempre na maior faixa de risco, para a tragédia ou a traição, mas desconfiar sempre é muito cansativo.

O meu modelo de desconfiança foi um italiano, parceiro de viagem do Grêmio ao Japão, para uma das disputas do Mundial. Pois estávamos passeando em Tóquio, quando anunciei que voltaria ao hotel porque, no fim da tarde, teria uma conferência no Instituto Nacional do Câncer. E, então, o tal gringo quis saber se poderia me acompanhar porque estava cansado de tanta novidade. Tomamos um táxi e descobrimos que o motorista não entendia nenhum idioma que não fosse o nativo, e se o cartão/chave não tivesse o nome do hotel, em japonês, não teríamos ido a lugar algum. 

Quando mostrei o cartão, o taxista disse a única palavra que poderia conectar duas civilizações separadas pela imensidão do mundo: "ok". E partimos. Enquanto percorríamos a maravilhosa Avenida Giemsa, que contorna a Torre de Tóquio, aproveitei para sacar várias fotos enquanto meu companheiro, segurando a barra de ferro que separava os dois assentos, olhava fixo a nuca do motorista. Perguntei-lhe se estava tudo bem e a resposta foi paranoia pura: "Tô achando este japonês tão quieto!". Argumentei, sem convencê-lo, que mais estranho seria se o cara ficasse repetindo "ok" sem que lhe perguntássemos nada, mas ele seguiu cismado até chegarmos ao hotel sem que ninguém anunciasse um sequestro.

Nunca mais o encontrei, mas tudo tendo piorado como piorou, imagino que hoje ele esteja confinado em uma fortaleza doméstica com grades, cercas elétricas e cães furiosos que o separem do perigo ambulante que desfila debochado pelas calçadas deste país. Na verdade, é cada vez mais compreensível que todo brasileiro seja um vigilante esperto, porque estamos rodeados de riscos e ameaças objetivas, a impor medidas que têm limitado o prazer de sair à noite e alimentado a sensação desagradável de que perdemos a posse das ruas, que foram transferidas, sem documentos, para a bandidagem. Esta, sim, sempre atenta a qualquer indício de que a vítima esteja mais vulnerável por distração.

E, então, desprotegidos pelas forças de segurança (!) e desarmados pela lei, nos trancafiamos para assistir, na constrangedora condição de meros espectadores, a batalha campal entre as gangues que não aceitam compartilhar as cidades que sequestraram, disputam cada quarteirão como se fosse o último e humilham os cidadãos sérios com o temor de balas perdidas.

Como a perda dessa qualidade de vida foi gradual, fomos esquecendo como era bom ser distraído ou aproveitar o frescor da noite para caminhar ou namorar dentro do carro num lugar com vista panorâmica. Mas, quando alguém volta de viagem a um país civilizado, sempre fala da maravilha que é viver sem medo.

E é assim no Japão, na Europa Ocidental, nos Emirados Árabes, na América que deu certo, e até no Rio de Janeiro em tempos de Olimpíada, a mostrar que, enquanto a educação não chega, os bandidos reconhecem os limites que lhes são impostos pela força.

E por que a civilidade é um processo tão demorado?

Porque é muito improvável que alguém que já provou o dinheiro fácil da corrupção tenha ânimo para voltar ao trabalho honesto. E isso vale para o agente de trânsito que aceitou propina, o político que barganhou seu voto, o médico que colocou a prótese desnecessária ou o magistrado que vendeu a sentença.

jjcamargo.vida@gmail.com - J.J. CAMARGO