quarta-feira, 24 de janeiro de 2018


24 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA


No dia do julgamento de Lula, lembro de Médici

Os saudosos da ditadura militar gostam de pensar nos cinco anos do governo Médici como um tempo dourado. O Brasil crescia a mais de 10% ao ano e se desenvolvia como uma China depois de Deng Xiaoping ter decretado que "enriquecer é glorioso". Havia tanto emprego, que as empresas disputavam os melhores funcionários como os clubes de futebol disputam centroavantes. O BNH financiava generosamente moradias populares, o crédito educativo pagava a universidade dos mais pobres e as obras de infraestrutura se multiplicavam por todo o país. Era o Milagre Econômico.

Mas, no governo seguinte, o de Geisel, estourou a crise do petróleo, os empréstimos externos secaram e a inflação e a dívida do país começaram a crescer sem parar, até que, nos anos 1980, os produtos no supermercado tinham dois aumentos por dia. Os salários eram corrigidos de duas em duas semanas, mas não adiantava: os preços estavam sempre na frente. Quem viveu aquela época sabe a tortura que foi.

Delfim Netto disse, mais tarde, que Geisel havia sido o responsável por quebrar o país, mas a verdade é que o plano de desenvolvimento fora frágil em setores estratégicos, como o da educação básica, por exemplo. Submergida na ignorância, como diria Brizola, grande parte da população brasileira não reunia condições de se transformar em mão de obra qualificada ou de alimentar o mercado consumidor, como deve ocorrer em uma economia saudável.

O problema do Brasil era, e continua sendo, estrutural. É verdade que Geisel não tomou precauções a respeito dos movimentos internacionais, como os do Oriente Médio, mas ele não foi o único culpado pelo fracasso. Foi um fracasso do sistema, não de um único personagem.

O mesmo se poderia dizer a respeito de Dilma. Ela errou bastante, sem dúvida, mas não se pode atribuir apenas a ela toda essa crise profunda, ampla e densa. Faz tempo que o Brasil erra.

Brizola, que citei antes, era equivocado acerca de muitas coisas em que acreditava, mas no principal ele estava certo: as crianças. O Brasil precisava e ainda precisa tornar as crianças sua prioridade número 1. E também a 2. E a 3.

Fazendo essa análise, é interessante notar como os personagens e os períodos a que me referi se assemelham. Sem entrar na questão política, sem falar em regime, tortura, censura e outros que tais, repare que Médici e Lula eram ambos populistas, usavam o futebol para se aproximar do povo, apostaram em estratégias desenvolvimentistas e, sobretudo, na indústria automobilística. Ambos alcançaram sucesso econômico por algum tempo e saíram do governo com popularidade. E seus sucessores, Geisel e Dilma, eram menos hábeis politicamente do que eles e foram responsabilizados pela derrocada na economia.

Nada evoluiu muito, no Brasil, com exceção de alguns pontos positivos: a consolidação da democracia, o Plano Real, as eleições de um operário e de uma mulher para a Presidência e a Lava-Jato.

Hoje, Lula, um dos personagens mais importantes desta história, irá a julgamento em decorrência da ação da Lava-Jato. Condenado ou absolvido, ele continuará no centro das discussões da eleição deste ano. E é isso que me preocupa. Olhe para o Brasil: falta energia elétrica de 15 em 15 dias, os Correios funcionam mal, as estradas são precárias, há pelo menos 12 milhões de desempregados, professores e até policiais entram em greve a todo momento, as escolas públicas e os hospitais estão arruinados, os traficantes tomaram conta das periferias das cidades e as pessoas sentem medo de sair à rua.

O Brasil não está dando certo.

E não há, em pauta, um único projeto sério de nação. Só o que se vê é um debate rançoso e adolescente de "eles" contra "nós", sem que se apresente a mais pálida ideia estrutural de país. Desde Médici e Geisel, nada realmente mudou. Como diria Drummond, há muita rima, e nenhuma solução.

DAVID COIMBRA