sexta-feira, 19 de janeiro de 2018


O feijão e o sonho 


O feijão e o sonho é um romance de Orígenes Lessa que trata do casal Juca e Maria Rosa. Ele, poeta, sonhador, quer viver de literatura, e ela vive assoberbada com as tarefas da casa e a criação dos filhos. A narrativa foi adaptada para novela na Rede Globo em 1976, com Claudio Cavalcanti e Nívea Maria nos papéis dos protagonistas. 

As fases da vida do casal são abordadas: o início romântico, o casamento, os filhos, as eternas dificuldades financeiras de classe média e o final, com o único filho homem do casal pretendendo ser igual ao pai, que, dando aulas e escrevendo para jornais, com ganhos escassos, tentou sustentar a família. Lembro do romance depois do programa de TV sobre pesquisa da Pucrs a respeito de hábitos e planos dos jovens de hoje. Aumentou o número de jovens que dão mais importância para carreira e dinheiro do que para a felicidade. 

De um lado, é interessante ver a garotada de olho nos aspectos práticos da vida. De outro, é um pouco triste saber que os que priorizam felicidade estão diminuindo. Coisas da vida, feita de sonho e realidade, de Dom Quixotes e Sancho-Panças, de pedra e estrelas. Busquei conciliar o feijão com o sonho. Na vida real, trabalhei mais de 40 anos como advogado e membro do Ministério Público do Trabalho. Quando jovem, pensava em escrever, viver de livros, de sonhos e fantasias. Pensei até em estudar Filosofia. 

O Manual do Candidato do Vestibular da Ufrgs me desanimou, dizendo que Filosofia era mais vocação do que profissão e que eu não compraria muito feijão sendo filósofo ou professor. De mais a mais, a Filô naquela época estava sem alguns grandes professores que tinham sido expurgados pelo regime militar. Coloquei Direito na primeira opção, Jornalismo na segunda e Letras na terceira. Passei no Direito, e aí a escolha racional ficou. Fiz algumas cadeiras na Letras e depois segui o Direito, como advogado e procurador do Trabalho. Filho de imigrantes italianos, pesou o exemplo de se virar na real e a ideia de ganhar uns pilas de dia e ser literato de noite e fins de semana. 

Escrevi dois livros, já participei de umas 30 antologias de crônicas e contos e colaboro com jornais há 42 anos. Estou casado há 37 anos, sou pai de duas filhas, uma de 23 e outra de 28 anos. Já plantei muitas árvores. Tentei misturar sonhos de Literatura com a realidade do Direito. Não sei se faria a mesma coisa hoje. Virada a página do Direito, agora estou envolvido com literatura, Conselho de Cultura, jornalismo e dou uma de cantante em alguns bares da noite ou onde pintar microfone ou chance de soltar a voz. Nem sempre dá para conciliar felicidade, emprego e vida real. Poucos têm realmente prazer e amor pelo trabalho que fazem. 

A maioria segue disciplinada, trabalhando, aguardando o dia da aposentadoria, quando, quem sabe, irá atrás de sonhos de infância e juventude, se tiver. Nem todos têm grandes sonhos ou aspirações a uma vida "transcendental". Muitos jovens trocam duas ou três vezes de curso universitário, trocam estágios e empregos com muita frequência e vão atrás num mundo com muitas possibilidades e nem tantos empregos.   

A propósito... 

Hoje em dia, parece que tem mais trabalho do que emprego, embora a grana ande escassa nos dois casos, com exceção de alguns cargos públicos e algumas carreiras de profissional liberal ou para quem pode ter negócios próprios. 

O convite ao empreendedorismo está aí. As micro e médias empresas são as que mais empregam no Brasil, algo em torno de 84%. Tomara que o governo auxilie os empreendedores e pequenos e médios empresários. O dia tem 24 horas: oito para trabalhar, oito para descansar e oito para se divertir. Há espaço para felicidade e para trabalho. Se juntar os dois nas mesmas horas, o que é raro, melhor. Se não der, faça seu melhor possível, vivendo com harmonia entre o feijão e o sonho. (Jaime Cimenti)


Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2018/01/colunas/livros/606471-autobiografia-desautorizada-de-jo-soares.html)