segunda-feira, 29 de janeiro de 2018


29 DE JANEIRO DE 2018
L.F.VERISSIMO

A palavra e o grito


O debate sobre o julgamento do Lula ganhou um inesperado protagonista de última hora, o economista americano Mark Weisbrot, que, de Washington, escrevendo no New York Times, descreveu o que estava em curso no Brasil como um golpe para acabar com o futuro político do ex-presidente. Para Weisbrot, o golpe começou com a deposição da Dilma, e as provas, ou ausência de provas, usadas para condenar Lula seriam ridicularizadas, por exemplo, num sistema judiciário como o dos Estados Unidos.

O texto do americano, publicado no dia 24, circulou de mão em mão e de WhatsApp em WhatsApp entre os apoiadores do Lula. O Brasil descrito de fora, ainda mais nas páginas do New York Times, tem a vantagem de desprezar os pormenores e fixar-se no essencial, e Weisbrot estava dizendo o que gostaríamos de acreditar. Mas que no final só serviu como consolo. Tudo bem, perdemos, mas pelo menos o New York Times nos entende.

O debate acabou sendo entre a palavra e o grito. A palavra cheia de si dos juízes contra o grito de protesto das ruas. Os juízes foram enfadonhos, mas meticulosos e didáticos, as ruas foram desorganizadas, desarticuladas e desafinadas. Milhares andando e gritando nas ruas em favor de Lula não tiveram a loquacidade de três juízes nas suas cadeiras macias. As palavras dos juízes abafaram os gritos da rua. Não era preciso nem levantar a voz. Foi covardia.

Não sei como costuma ser a liturgia em casos como o do julgamento do dia 24, mas imagino que os advogados de defesa participem das sessões para argumentar em favor dos seus clientes. Argumentar, teoricamente, é tentar convencer, é esperar uma resposta, nem que seja por simples cordialidade. Os juízes do dia 24 já tinham seus votos prontos e sincronizados. O que o advogado do Lula estava fazendo lá? Se tivesse aproveitado para dar um cochilo, ninguém o recriminaria.

O advogado australiano Geoffrey Ronald Robertson, que representa Lula no Conselho de Direitos Humanos da ONU, participou da sessão como convidado. Depois do julgamento, entre várias outras coisas erradas que flagrou, Robertson declarou-se escandalizado com a presença de um representante do Ministério Público, responsável pela acusação a Lula, sentado junto com os juízes. Robertson já foi conselheiro da rainha da Inglaterra. Se contasse o que viu por aqui para Sua Majestade, ela desmaiaria.

O que acontece agora? Vem aí um festival de recursos, se entendi bem. Advogados contra juízes, palavra contra palavra. Vamos ver no que dá. Enquanto isso, nossa imprensa bem que poderia publicar uma foto do Mark Weisbrot. Gostamos de ver a cara dos nossos heróis.

L.F.VERISSIMO