segunda-feira, 17 de abril de 2023


17 DE ABRIL DE 2023
CLÁUDIA LAITANO

Fato e ficção

Não é toda hora que um personagem da vida real e sua representação mais ou menos fiel na ficção dividem as atenções na mesma semana. Aconteceu nos últimos dias com Rupert Murdoch, que além de dono de um dos maiores impérios de mídia do planeta serviu de modelo para Logan Roy, protagonista da série Succession, da HBO.

A partir desta segunda-feira, Rupert Murdoch enfrenta o julgamento de uma ação de US$ 1,6 bilhão movida pela empresa de urnas eletrônicas Dominion Voting Systems, que acusa a ultradireitista Fox News, joia da coroa murdochiana, de propagar teorias conspiratórias que colocaram em dúvida o resultado legítimo das eleições presidenciais de 2020. Logan Roy (interpretado pelo excelente ator escocês Brian Cox) livrou-se dos rolos com a justiça americana em outras temporadas, mas não do desfecho que o próprio título da série sugeria desde o início. A oito capítulos do epílogo, Logan morreu sem pompa, mas com alguma circunstância - no banheiro de um jato particular -, no episódio que foi ao ar há dois domingos. A coincidência do julgamento iminente de um com a morte abrupta (e eletrizante) do outro uniu os dois bilionários no noticiário.

Succession precisaria avançar muito além de suas quatro temporadas para dar conta dos 92 anos de Rupert Murdoch. Não entraram no roteiro tramas paralelas potencialmente saborosas, como a ex-mulher famosa (de 2016 a 2022, Murdoch foi casado com Jerry Hall, mãe de quatro dos oito filhos de Mick Jagger) ou a insólita conexão com o pai da psicanálise (uma de suas filhas, Elisabeth, foi casada com um bisneto de Freud). Também ficou de fora a relação de amor, ódio e mútua dependência com o ex-presidente Donald Trump - que ainda não virou série, mas continua rendendo livros e reportagens.

A influência da mídia na política americana não está ausente, mas o tema central de Succession são as disputas por afeto e poder dentro de uma família chefiada por um pai egoísta, vaidoso e centralizador. Boatos nunca confirmados dão conta de que um dos herdeiros de Rupert Murdoch, James, de ideias mais liberais que o irmão de extrema direita, Lachlan, abasteceu a produção com material suficiente para fazer Rei Lear parecer um velho bonachão comparado a Logan Roy. Na dúvida, Murdoch incluiu uma cláusula em seu quarto e mais recente divórcio: Jerry Hall está formalmente proibida de fornecer matéria-prima para os roteiristas da série. Significa.

O último episódio de Succession vai ao ar no final de maio. A saga de Rupert Murdoch não tem data para terminar. O julgamento que começa hoje pode mudar não apenas a forma como sua história vai ser contada no futuro, mas a maneira como a sociedade americana lida com fake news e ameaças à democracia. Ninguém vai querer perder os próximos capítulos.

CLÁUDIA LAITANO

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