terça-feira, 25 de abril de 2023

28/03/2023 - 15h28min
Bruna Lombardi

O chapéu de cada um

Fingir dá muito trabalho, dá um cansaço profundo e não adianta se esforçar porque não dura. A verdade sempre vem à tona. O tempo revela, mostra quem somos

kobeza / stock.adobe.com

Minha avó dizia para minha mãe, que repetia para mim: "Cada um cumprimenta com o chapéu que tem"

Minha avó dizia para minha mãe, que repetia para mim: "Cada um cumprimenta com o chapéu que tem". Eu, criança, não entendia muito bem que chapéu era esse, porque ninguém que eu conhecia usava chapéu. Precisei crescer para enxergar a abrangência do significado e entender a força que minha mãe queria que eu tivesse: ser eu mesma. 

Ainda adolescente, comecei a prestar atenção no comportamento de outras mães de amigas minhas e tentava fazer comparações. Em geral, elas, com a cumplicidade da família e até das amigas mais íntimas, tentavam parecer mais do que eram. Queriam casar as filhas com caras ricos, e para isso sabiam que era preciso salvar as aparências. Algumas se endividavam para poder aparentar ter o que não tinham e gastavam mais do que podiam para corresponder à imagem que a tal sociedade parecia exigir.

Na minha casa, era exatamente o oposto. Minha mãe nunca me preparou para um bom casamento, queria que eu estudasse e tivesse uma profissão, sem depender de homem nenhum. Meu pai queria que eu tivesse acima de tudo liberdade. E em casa ninguém tentava parecer coisa nenhuma. A gente era o que era e pronto. Quem quiser que aceitasse assim.

Muitas vezes eu morria de vergonha de tamanha autenticidade. Eu queria que minha família fosse um pouco mais como as outras, que se preocupasse em aparentar, mesmo sem ser.

Muitas vezes eu morria de vergonha de tamanha autenticidade. Eu queria que minha família fosse um pouco mais como as outras, que se preocupasse em aparentar, mesmo sem ser. Naquela época, eu tinha as minhas razões para isso. E achava que as outras mães estavam mais certas do que a minha, com aquela estranha história do chapéu.

Décadas precisaram passar para eu concordar plenamente com a minha mãe. Para entender que fingir dá muito trabalho, dá um cansaço profundo e não adianta se esforçar porque não dura. Não se sustenta. A verdade sempre vem à tona. O tempo revela, mostra quem somos, e não tem jeito. Melhor pra quem se preparou, mostrando logo de cara o que era.

Minha mãe, por exemplo, genuína em tudo o que fazia e dizia, achava normal remendar o sofá se o tecido estivesse esgarçado, e eu que desse um jeito de repetir as pouquíssimas roupas que tinha. Ela queria que eu aprendesse que meu valor não dependia disso. E que vergonha é roubar e não não ter.

Minha mãe foi ficando a mulher mais poderosa que já conheci. Foi se ampliando, ocupando com tanta propriedade a sua própria verdade, que ao seu lado ninguém conseguia sustentar uma máscara. Era impossível fingir.

E assim fui construindo minha vida, sem me dar ao trabalho de tentar ser o que estava fora do meu alcance. Não consigo aparentar o que não sou, não quero mostrar o que não tenho e nem quero ostentar o que possuo. Tudo o que tenho é resultado do meu trabalho, como queria minha mãe. E faço o exercício constante da minha liberdade, como queria meu pai. 

Vivo por amor. Cumprimento com o chapéu que tenho, recebo na casa em que moro, do jeito que sou e tudo é. Gosto de enfeitar a vida pelo prazer de ver as coisas bonitas. A sinceridade me aproxima de tal maneira das pessoas, que minha verdade desarma gente defensiva, transforma energia pesadas e faz cada momento valer a pena.

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