terça-feira, 25 de abril de 2023


25 DE ABRIL DE 2023
CARLOS GERBASE

Quem foi Lupi?

Foi um jovem soldado de péssimo comportamento, que arranjava confusão, dormia em serviço e não cumpria ordens, tanto que foi detido várias vezes. É espantoso que tenha chegado a ser cabo. Foi contínuo da Faculdade de Direito da UFRGS. Ali, também não primava pela assiduidade, embora já fosse ídolo dos estudantes, que queriam ouvi-lo cantar seus sambas. 

Foi cantor, compositor e arranjador dos blocos de Carnaval da Ilhota, onde nem sempre as noites acabavam bem, o que ele registrou em uma das suas crônicas na Última Hora. Foi um sujeito que gostava de cuidar dos seus animais no quintal da casa, plantava suas verduras, fumava seu palheiro e usava guaiaca. Foi praticamente um gaudério.

E foi um dândi elegantérrimo, um flâneur pelas ruas de Porto Alegre, com seu chapéu New Harlem e sua botina bicolor, varando a madrugada com seus amigos e amigas. Foi um defensor dos direitos autorais de seus colegas compositores (e dele próprio), enfrentando proprietários de bares que não pagavam o que deviam pelas músicas que ajudavam a lotar seus estabelecimentos. Foi um torcedor fervoroso do Grêmio e compôs seu hino. Portanto, quando alguém diz que Lupicínio Rodrigues era "aquele cara das canções de dor de cotovelo", está fazendo uma simplificação grosseira.

Depois de mais de três anos lendo o que foi escrito sobre Lupi, ouvindo suas composições, conversando com Lupicínio Rodrigues Filho, compreendendo o que aconteceu com a Ilhota e seus moradores, descobrindo como Lupi enfrentou um episódio de racismo, tentando encontrar modos de reaproximar Lupi das novas gerações, vendo pessoas talentosas reinterpretando suas músicas, convivendo com quem sabe muito mais sobre Lupi do que eu (como Arthur de Faria e Marcello Campos) e, finalmente, montando a exposição que está no Farol Santander, ainda não sei se consegui sintetizar naquele espaço todos os Lupis que iluminaram esta cidade.

Juarez Fonseca acredita que, um dia, alguém conseguirá separar o mito do ser humano. Eu duvido. Por mais que a gente se esforce, alguns fatos e personagens parecem estar envoltos numa bruma de incertezas, o que é característica essencial das mitologias. Algumas fábulas se comprovam, como a de Tânia Carvalho levando Caetano Veloso em seu fusca para encontrar Lupi na madrugada. 

Sim, isso aconteceu, eles conversaram, e Caetano escreveu um bilhete para a esposa de Lupi, Cerenita, tentando livrar a barra de Lupi por chegar em casa depois das três da madrugada, que era seu limite. O bilhete existe, está lá na exposição. Se tudo aconteceu exatamente assim, não sei. Em caso de dúvida, que se imprima a lenda.

CARLOS GERBASE

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