sexta-feira, 21 de abril de 2023


21 DE ABRIL DE 2023
CELSO LOUREIRO CHAVES

Plateias vazias

Nos tempos da pandemia, a interrupção das atividades musicais com público foi um dos fenômenos dramáticos. Agora que as coisas parecem ter voltado para o lugar, não se quer nem lembrar o que passou, mas no livro do pianista russo-alemão Igor Levit, Concerto em Casa, há várias páginas sobre o desaparecimento, de um dia para o outro, de temporadas, concertos, compromissos.

No caso de Levit, pianista de Beethoven, mas também de repertórios bizarros, a inviabilidade de ficar parado fez com que ele, também de um dia para o outro, inventasse uma maneira de compartilhar música feita em casa. À sua maneira, ele inventou a live de música de concerto, a necessidade psicológica e profissional fez com que a continuidade da música tivesse de ser garantida, mesmo com público invisível e aplauso inaudível.

O livro de Igor Levit é uma memória dos tempos de crise vistos pelo lado do intérprete. Plateias vazias, salas de concerto sem música... Foi o que bastou para me lembrar outras épocas, talvez mesmo no século passado, em que as salas de concerto daqui também ficavam quase vazias, embora sem pandemias à vista. Havia dificuldade para levar ouvintes para as salas, só isso. Um curto-circuito entre palco e plateia.

Ninguém estava imune. Nem Astor Piazzolla. Mesmo que alguém pergunte "mas como?", é fato: também ele teve que amargar o pouco público nas salas daqui. Apesar de já ser um nome consolidado na disrupção do tango, aqui Piazzolla tocou várias vezes para poltronas desocupadas. Seria de pensar que hoje se daria muito para ouvi-lo ao vivo novamente, mas não naquele momento de desinteresse difícil de explicar.

E Alicia de Larocha? Pianista espanhola que lotava plateias lá fora, mas que aqui foi recebida por espaços ocos. Impossível convencer a quem quer que fosse que ali estava um grande nome, muitas gravações internacionais, repertório iluminado, ausência de críticas negativas no currículo. Nem por isso: nem 10 minutos antes do concerto e os ouvintes ainda pingavam um a um, aos pouquinhos, o aplauso discreto ecoando nas paredes.

Sim, houve um momento em que a música de concerto tinha deixado de ser um evento, as plateias tinham ido embora. Um dos efeitos do fim da pandemia foi o retorno da música com muita gente tocando e muita gente ouvindo. A interação desaparecida, tal e qual Igor Levit reclama no seu livro, parece ter ficado mesmo no passado. No caso do nosso passado mais distante, então, talvez aquelas ausências tenham sido apenas um detalhe improvável da nossa biografia musical.

CELSO LOUREIRO CHAVES

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