sexta-feira, 22 de março de 2013



22 de março de 2013 | N° 17379
PAULO SANT’ANA

Visão e audição

Fiz um teste ontem com minha surdez. Conversando com Moisés Mendes, notei que quando ele falava eu o ouvia bem, dava para o gasto.

No entanto, quando o Moisés falava e eu fechava os olhos, deixava de ouvi-lo. Um otorrino português concluiria que quando se está de olhos fechados se ouve menos. Ou nada, como é meu caso.

Mas não é bem assim. Acontece em realidade o seguinte: o som que sai dos lábios de uma pessoa é reforçado pela leitura labial que se faz nessa pessoa.

Portanto, quando se está ouvindo alguém a falar, mal percebemos que não estamos ouvindo só pelos nossos ouvidos, mas também pelos olhos no nosso interlocutor.

A gente costuma dizer que se ouve pelos ouvidos. Não é assim. Ouvimos pelos olhos também, quando se trata de alguém que está falando para nós.

Isso me faz presumir com quase certeza que os cegos, quando estão falando com alguém, ouvem menos que uma pessoa que enxerga. Apesar de que a cegueira acarreta o que se pode chamar de uma vantagem: ela aguça os outros sentidos nos cegos.

Isso faz com que um cego, quando se aproxima uma outra pessoa, mesmo não podendo vê-la, saiba bem quem é que está se aproximando.

Esta coluna sobre visão e audição deve estar interessando muito aos meus médicos Luiz Lavinsky e Joaquim Xavier, otorrino e oftalmologista, respectivamente.

Os dois anseiam por operar-me dos olhos e dos ouvidos, os cirurgiões, enquanto não operam a gente, não sossegam.

Mas eu reajo sempre a qualquer cirurgia, até quanto eu possa. E assim vou levando, empurrando com a barriga as cirurgias a que pretendem me submeter.

Enquanto isso, os dois cirurgiões a que me referi vão clinicando comigo, vão floreando o galo, aceitando resignadamente em procrastinar as minhas cirurgias.

A cirurgia de catarata que o doutor Xavier quer me fazer é simples: ele me disse que consiste apenas em introduzir no meu cristalino uma espécie de agulha e aspirar com ela a matéria fosca que existe lá. Depois, apenas é feito um implante de uma lente atrás da íris e da pupila e o paciente na mesma hora já sai enxergando sem mais qualquer óbice.

Já a cirurgia de ouvido que o doutor Lavinsky sonha em fazer em mim é coisa mais complicada.

Por sinal, meu corpo em realidade tem uns 10 pontos que os cirurgiões ambicionam para suas intervenções. Eu é que vou adiando, calma lá, doutor, vai me tratando devagar, não passe por enquanto a faca em mim.

E assim vou atravessando o outono, que já está derrubando folhas secas amareladas sobre as calçadas e os parques: postergando as cirurgias, valorizando como nunca os tratamentos laboratoriais, fugindo da radicalidade dos cirurgiões e explorando mais as suas vocações clínicas.

Por final, constato que dos cinco sentidos humanos, em quatro tenho médicos a atendê-los. Só não os tenho para o sentido do olfato.

Porque o meu faro para tudo, inclusive para escrever esta coluna, continua excelente.