sexta-feira, 29 de março de 2013



29 de março de 2013 | N° 17386
DAVID COIMBRA

Meu câncer

Numa sexta-feira como hoje, os competentes médicos da Santa Casa descobriram que havia um tumor devorando um dos meus rins.

Um câncer.

É estranho você dizer que está com câncer. É como se dissesse: estou morrendo. Foi o que pensei naquela sexta-feira. Naquela sexta-feira, eu morri um pouco.

No sábado, meu rim foi removido. A cirurgia, comandada pelo doutor Ernani Rhoden, do Hospital São Francisco, foi um sucesso, mas, para mim, eu que nunca havia sido internado em hospital, nunca quebrara nada, nunca ficara doente, para mim foi uma dor inédita, um sofrimento que nem sabia ser capaz de suportar.

Agora estou sendo bem cuidado pelo oncologista Jefferson Vinholes e tudo envereda pelo bom caminho, mas ainda não processei totalmente o que aconteceu. O que posso concluir desse episódio? Alguns dizem que essas experiências radicais nos levam a iluminações.

Você compreende a vida de outra forma, vê as coisas de outro ângulo. Talvez no futuro, mas, até agora, o sofrimento não me abriu as portas da percepção. Até agora o sofrimento só foi isso mesmo, sofrimento. Que desperdício de dor.

Mas houve algo, um sentimento que se consolidou na minha mente, com essa experiência. O que posso dizer é que, se não houve sofisticação da minha, digamos, vida espiritual, houve aumento da minha fé nas pessoas.

A preocupação sincera e a ajuda incondicional dos meus amigos e dos meus familiares; as orações e promessas de pessoas que nem conheço, de todas as religiões; o apoio tranquilizador da minha empresa, a RBS, e o carinho dos meus colegas, desde a atendente do bar até o mais alto diretor; a competência dos médicos e o requinte da ciência; tudo isso me ergueu e me ergue, e tudo isso é humano. Não há nada transcendental aí; o que há são as pessoas.

Os homens. O homem que inventa a bomba atômica, mas que também desenvolve a medicina nuclear, o homem é, sim, o lobo do homem, mas também o seu consolo e a sua salvação. Depois de olhar na cara da morte, vi que a vida está na relação com as outras pessoas. As pessoas, as pessoas. Os outros seres humanos é que nos tornam humanos.