segunda-feira, 25 de março de 2013


Inteligência/Roger Cohen -  Londres

Chávez e a sedução pela ditadura

Hugo Chávez, um deus socialista do século 21 destinado a ser embalsamado como seus antecessores do século 20 de Moscou e Pequim, era um homem do povo a sua própria moda. Ele chegou ao poder na Venezuela e ganhou sucessivas eleições como a personificação do mestiço humilde que desafiou o privilégio entrincheirado da oligarquia burguesa.

A ineficiência do regime Chávez era prodigiosa -ele conseguiu deixar as finanças de seu país em ruínas, apesar das crescentes receitas do petróleo, e enriqueceu sua clique revolucionária por meio de acordos vantajosos. Seu compromisso com a causa do "pueblo" (pelo menos sua saúde e educação) sempre foi a parte principal de sua atração.

No entanto, esse homem da esquerda e do povo mal conseguia encontrar um ditador que não considerasse sedutor. Ele foi um forte defensor de Bashar Assad, o déspota sírio cuja sanha já custou a vida de 70 mil de seus conterrâneos. Ele apoiou Muammar Gaddafi da Líbia até o fim. Aliou-se a Robert Mugabe em seu saque ao povo do Zimbábue.

Quando milhões de iranianos se ergueram em 2009 em protesto contra uma eleição presidencial roubada, Chávez se manteve firme ao lado de Mahmoud Ahmadinejad, enquanto a revolta era reprimida com grande brutalidade. Diante da opção entre o liberalismo britânico e a repressão bielorrussa, Chávez não hesitou.

É claro que Chávez também foi um fiel aliado de Fidel Castro, seu mentor latino-americano, mas pelo menos com Castro ele compartilhava ideias socialistas, além de uma trama de interesses econômicos, incluindo um original intercâmbio de petróleo por médicos. Com outros colegas ditatoriais ele tinha pouco em comum, pelo menos na superfície.

Mas é claro que havia alguma ideologia unificadora em ação que superava o respeito declarado por Chávez à vontade popular: uma determinação comum em confrontar e resistir aos Estados Unidos e seus aliados em todas as suas manifestações.

Chávez foi o ideólogo antiamericano por excelência. Certa vez o escutei durante horas em Caracas enquanto ele discorria de maneira interminável, mas às vezes fascinante, sobre o tema do caubói predador do norte.

Para Chávez e todos esses homens-fortes de épocas recentes, confrontar os EUA e sua ordem econômica neoliberal -assim como suas aventuras militares pós-11 de Setembro- era muito mais importante, afinal, que a liberdade, a imprensa livre, o governo representativo ou as aspirações da população.

Chávez foi um homem profundamente antiliberal fantasiado de "libertador" de seu povo.

Nisso, deve-se dizer, ele não foi o único. O desacordo civilizado e as instituições que o permitem e garantem -o núcleo de uma ordem liberal- não são muito apreciados em uma era em que os que gritam mais alto e com mais firmeza tendem a conseguir o que querem.

Para Chávez e sua espécie, um liberal não passava de um imperialista ocidental em trajes inofensivos.

A posição do "intervencionista liberal" (do tipo que apoiou as intervenções ocidentais na Bósnia ou na Líbia) ou do "sionista liberal" (do tipo que apoia uma solução de dois Estados na Terra Santa) tornou-se cada vez mais solitária. A sociedade liberal -e não conheço nenhum tipo melhor- é um apelo menos eficaz do que o ódio dos déspotas pela "América".

A invasão do Iraque pelos EUA, que completou dez anos neste mês, a guerra interminável no Afeganistão e o contágio global da fusão financeira de Wall Street em 2008 contribuíram para essa síndrome anti-EUA no estilo Chávez.

Seja qual for sua origem, é uma patologia perigosa: ela fornece o disfarce para a repressão que com frequência se torna brutal.

O assim chamado "povo" tem outras ideias, como os árabes que se levantaram contra o despotismo nos últimos dois anos. Sua busca foi pela liberdade -a liberdade de finalmente escrever e dizer o que quiser, agir para mudar sua vida e se incluir no mundo moderno.

Isso não significa que eles queiram sociedades clones ou lacaias dos EUA e seus aliados. Mas eles se recusam a continuar vivendo em sociedades retraídas e manipuladas, dominadas pelo medo de inimigos imaginários.

Chávez escolheu seus amigos déspotas porque acreditava que a principal divisão do mundo não fosse entre ditadura e democracia, mas entre países subordinados aos EUA e países independentes deles. Seu ódio obsessivo a Washington o levou diversas vezes a abraçar os poderosos contra os fracos, o caudilho contra o povo. O que foi, ao mesmo tempo, sua mais profunda traição e um sintoma de seu antiliberalismo central.