segunda-feira, 25 de março de 2013




25 de março de 2013 | N° 17382
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

A igreja da Povoação

Há um lugar de sonho, e nele, uma igreja. Fica na ilha de São Miguel, nos Açores. É uma vila situada na costa Sul, a mais propícia aos bons ventos. O lugar chama-se Povoação, e isso por um fato: ali se começou a povoar a ilha, em meados do século 15.

Situada numa calha entre montanhas que se despeja no Atlântico Norte, a Povoação sofre enxurradas cíclicas, que podem levar a destruições e mortes. Nem por isso seus habitantes se revoltam ou se mudam dali. Sabem que as catástrofes naturais estão em toda a parte. As suas, até que são pequenas, e talvez seja o preço a pagar por viverem nesse éden terrestre.

Ali, o tempo não corre no mesmo ritmo nosso. É um tempo histórico e mítico. Mas não se pense em estagnação, pois seus moradores desfrutam plenamente a nossa era. O que os distingue é essa sensação peculiar de pertencimento a um espaço em que as épocas se cruzam e convivem.

O povoacence, quando olha para o mar, tem a montanha às suas costas. Sabe que seu ambiente existencial é exíguo, mas sua alma alarga-se ao mundo. Todos têm pessoas queridas nas Américas, na África, na Austrália, no Oriente, e por isso sua saudade é grande; mas sua alma é maior do que as distâncias.

Na Povoação há uma bela Matriz, ampla, soberana, mas também uma pequena igreja à beira-mar, dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Tal como todas nesse esplêndido arquipélago vulcânico, sua torre sineira, suas colunas, coruchéus, ombreiras, vergas e frontões decoram-se por cantaria de basalto negro. Aproximemo-nos da sua fachada Sul. Apertemos os olhos. Lemos, num medalhão, o ano: MD, o mesmo em que Cabral chegou às terras brasileiras.

À distância, essa igreja soube de nossa breve história, das Capitanias Hereditárias, do vice-Reino, do Reino, do primeiro Império, do segundo Império, da República, e assim chegou ao século 21. E a igreja ali, impávida, com o legítimo orgulho de quem se sabe indestrutível. O moradores da Povoação deixaram-na como nova, e é um gosto sentar-se, na penumbra e na quietude, ouvindo as tantas vozes que ali ressoaram, as prédicas que se escutaram, os réquiens dolorosos, as celebrações festivas dos batizados e casamentos.

Num lugar de sonho, numa ilha açoriana, uma pequena igreja dá testemunho de nossa humanidade e por isso é ainda mais bela a nossos olhos encantados