sábado, 30 de março de 2013



30 de março de 2013 | N° 17387
CLÁUDIA LAITANO


Divertimento solitário

A canção mais sexy que eu conheço não é exatamente sutil na sua abordagem do tema mais antigo do mundo. Chama-se Sexual Healing (algo como “cura pelo sexo”) e foi um enorme sucesso nos anos 80, na voz suingada do cantor americano Marvin Gaye.

O que torna a música tão sensual não é a letra explicitamente abusada, mas a combinação perfeita entre o que está sendo dito e o ritmo ondulante da melodia, que não apenas traduz o conteúdo dos versos para a linguagem musical como suaviza sua urgência com um ritmo mais sugestivo do que, digamos, apressado.

Por sugerir um sexo “quente”, para usar o termo dos americanos, mas não agressivo ou mecânico, a música de Marvin Gaye fez sucesso mesmo antes de as letras de conteúdo sexual explícito tornarem-se “mainstream” (o que vende mais) no mercado da música americana e em boa parte do resto do mundo.

No Brasil, pouco antes de Marvin Gaye estourar com Sexual Healing, Chico Buarque compôs uma canção que, na época em que foi lançada, chocou (tanto quanto fascinou, confesso) a menina de 12 anos que eu era: O Meu Amor. Imagino que algumas moças mais velhas e mais experientes também tenham ficado chocadas e fascinadas por aquela conversa despudorada entre duas mulheres que competem pelo amor de um mesmo homem enumerando os prazeres que ele é capaz de proporcionar a cada uma delas.

Composta em 1978 para o musical Ópera do Malandro, a canção não poderia deixar de ser desbocada em se tratando do diálogo entre uma prostituta e sua rival. Mas aqui também o sexo, cantado em ritmo de bolerão, faz bem para o corpo e para a alma: “Eu sou sua menina, viu?/ E ele é o meu rapaz/ Meu corpo é testemunha/ Do bem que ele me faz”.

Sexo, como o amor, não é um tema fácil de cantar, embora quase todo mundo acredite que entende do assunto – ou exatamente por causa isso. A chance de chover no molhado, sem trocadilhos, é muito maior do que a de produzir algo que chame atenção.

Pois mais de 30 anos depois de O Meu Amor, voltei a ser impactada por uma letra que fala de sexo ao ouvir esta semana a música Então se Joga, cantada por um jovem sertanejo chamado Henrique Costa, que além de torturar uma velha canção dos Talking Heads acabou maltratando mais ainda a própria ideia do sexo como algo divertido que duas pessoas fazem juntas.

Nessa, como em outras letras “proibidonas” do funk carioca e do pagode, permanece a urgência, que sempre existiu e deve continuar existindo enquanto nossa espécie habitar este planeta, mas resta pouco espaço para o sexo como resultado do desejo mútuo – com toda a incerteza e chance de fracasso que isso pode implicar. Essas letras falam sobre festas em que os rapazes esperam que as meninas bebam muito para “liberar geral”, e as moças, quando a voz é delas, demonstram estar mais interessadas em exibir poder do que em serem seduzidas.

O sexo “da balada” parece deixar de ser uma relação que envolve brincadeira, ritmo, tempo, sedução, para se tornar uma espécie de divertimento solitário praticado a dois.

Algo assim como tentar tocar a Quinta de Beethoven batucando numa caixinha de fósforos.