sábado, 9 de abril de 2016



09 de abril de 2016 | N° 18495 
MÁRIO CORSO

Eu, o vidiota


Poucas coisas me deixam mais abobado do que estar em frente a uma TV. Logo eu, que quase não a assisto. Nada ideológico, planejado, apenas sempre tenho outra coisa para fazer. A passividade que ela pede é demais para minha inquietude. Coisa de maluco, não tomem como uma virtude.

Mas então, por que eu fico um débil mental quando estou em bares, em restaurantes, na casa de amigos e surge uma tela ligada? E o detalhe escabroso, eu fico fascinado com os comerciais, nunca com os programas. É o mundo rápido e colorido da propaganda que me hipnotiza.

Poderia ser pela novidade, pois essas propagandas que vos enchem o saco, para mim, são todas novas. Imagine um canal em que todos os comerciais são originais, serão vistos uma vez e depois desaparecerão no abismo dos comerciais esquecidos. Assim é para mim. Mas a explicação pela novidade não me basta.

Descobri que o que me captura é a promessa. Neste mundo partido, sofrido, sem ideologia, sem sonhos, a propaganda converteu-se no último refúgio da utopia. Só lá somos amigos do rei. Só lá podemos encontrar as três mulheres do sabonete Araxá.

O mundo da propaganda é o mundo perfeito, é o mundo que sonhamos. A praia tem sol, está limpa e só tem gente bonita. A cerveja é gelada, o atendimento é rápido, a garçonete não só atende ao chamado como já te traz a birita, e é ainda mais bonita do que os figurantes.

Nosso carro de 220 cavalos roda sozinho de janela aberta numa cidade também limpa – a higiene é um quesito importante nesse mundo –, pois não existe engarrafamento. Existem muitas vagas para estacionar. Ninguém buzina, nem está estressado, tampouco fazem alusões ao passado da nossa mãe.

A comida vem congelada num saco plástico. Mas, tirando dali, em segundos, apenas com o uso de um forno, ela se autoenfeita e pode ser servida para a Rainha da Inglaterra. Todos vão elogiar o sabor local, o terroir, daquela gostosura. A receita é da nona que renasce para lhe dar um beijo.

Esse xampu que você compra não é para limpar seu cabelo. É algo mais, ele protege o seu couro cabeludo, desembaraça, dá brilho, dá volume, restaura, alimenta, previne a caspa, a queda e o baixo-astral. Pois amiga, você vai ficar com um cabelo de parar o trânsito. O do comercial, bem entendido, o outro já é parado.

Tudo isso tem um custo, é claro, mas a conta só chega em propaganda de cartão. E a vantagem é que você paga com o cartão, mas não aparece pagando o cartão. E você já viu pessoas mais cool e viajadas do que as que usam o cartão diamante negro plus? Estão sempre subindo e descendo de jatinhos em pistas privadas. A gente precisa de um cartão assim.

Pois a propaganda é mais do que o primeiro mundo. Só lá a perfeição encontra uma forma. Meu olhos querem voltar a ter esperança, por isso são capturados pelo mundo mágico dos produtos maravilhosos. Mas eu não quero os objetos, eu quero o mundo onde eles estão. Por isso, espio pela única fresta disponível, a propaganda. A utopia que nos sobrou.