quarta-feira, 8 de junho de 2016


08 de junho de 2016 | N° 18550 
PEDRO GONZAGA

AS MÃOS DE MEU PAI


Por vezes, nas oficinas de escrita, peço aos participantes que usem seus bancos de dados pessoais para compor as personagens de seus contos, instigando-os a lembrar o modo como seus habitantes mais íntimos se comportavam (ou comportam) nos eventos do cotidiano, por exemplo, o jeito como os pais comiam espaguete, fazendo ou não barulho ao sugar a massa, o que as criaturas que passaram por suas camas diziam ao acordar, por que razão aquela amiga elegera como cantora favorita alguém com uma voz tão chinfrim.

Não me parece um mau conselho – um ser ficcional ganha vida pela caracterização –, escrevemos com mais emoção sobre as coisas que a memória evoca sem se restringir apenas às imagens, a este filme que costuma ser o passado. Mas não me parece um mau conselho especialmente porque, mesmo quando a história não progride, a visita a esses seres se justifica. Ao investigarmos os outros que nos são caros, abate-nos um pouquinho menos a solidão do estar no mundo.

De tudo, esta crônica é para confessar o quão pouca atenção dediquei, seja por descuido, seja pela prepotência da juventude, às particularidades de minhas pessoas, agora irremediavelmente perdidas. Nunca saberei, assim, que música fazia o meu avô Gomercindo dançar de imediato (para mim é I’m too sexy, do Right Said Fred). Ignoro o prato preferido de minha avó Domenica, ela, que tanto cozinhou para nós, qual fora sua cor favorita, o mês do ano que mais odiava, o que ela fez com as tantas coisas que sabia e que não me contou porque nunca perguntei.

Nesse processo de telepatia que é a escrita, como bem apontou Stephen King em seu livro de memórias (ouvimos uma voz em nossa mente, que rasga o tempo e o espaço e com ela conversamos), respondam-me, leitor matinal, leitora noturna, o que fizeram para facilitar ou dificultar nossos primeiros beijos aqueles a quem pela primeira vez beijamos? Como conhecer os outros, como inventar outros se os desconhecemos em seu dia a dia?

A verdade é que não sei sequer descrever como meu pai lava as mãos, se usa o sabonete com pressa ou vagar, se recorre à água quente no inverno.

Prometo descobrir.

E um dia, quem sabe, num conto, vocês saberão.