sexta-feira, 10 de junho de 2016



10 de junho de 2016 | N° 18552 
CLÁUDIA LAITANO

Liberdade, liberdade

Durante os últimos 60 dias, vivi uma versão pocket da fantasia de não ter nenhum compromisso a não ser aqueles que eu inventava. Foram 60 dias de férias prolongadas acordando todas as manhãs sem saber exatamente o que eu faria nas próximas horas e sem precisar convencer ninguém de que a minha ideia para o dia (quando eu tinha uma ideia para o dia) poderia ser condecorada com a medalha de ouro de uso racional e produtivo das horas de lazer.

Contando assim, parece o paraíso, mas a liberdade tem seu custo. Não estamos acostumados à overdose de microdecisões que a ausência de compromissos nos impõe. Trabalho, estudo e as múltiplas tarefas diárias de manutenção da casa e da própria vida reduzem a um intervalo mínimo de horas – minutos – o tempo de que dispomos para fazer exatamente o que queremos. Não é à toa que tanta gente fica sem chão quando não está trabalhando. O bufê livre de tempo exige reflexão constante e autoconhecimento. Liberdade dá trabalho.

Uma das minhas companhias literárias nesse intervalo sabático foi, por coincidência, um livro que convida o leitor a pensar sobre o que anda fazendo com a própria liberdade. Não aquela com data marcada para começar e terminar, como as férias ou os finais de semana, mas com a que nasce com todos nós, humanos – os únicos habitantes deste planeta capazes de transcender as próprias circunstâncias a partir de escolhas individuais.

Lançado no início deste ano pela escritora britânica Sarah Bakewell (autora do excelente ensaio biográfico Como viver, sobre Montaigne), o livro At the existencialist cafe narra, com paixão e bom humor, a história do movimento existencialista – das primeiras conversas entre amigos sobre a “filosofia da vida real”, nos anos 30, à explosão de popularidade de uma das correntes de pensamento mais influentes e vibrantes do século 20.

Se tudo o que Sartre, Beauvoir, Camus, Merleau-Ponty e o resto da turma escreveram (e viveram) pudesse ser resumido a uma única formulação seria mais ou menos a seguinte: a vida que vale a pena ser vivida é aquela em que examinamos, todos os dias, as escolhas que fazemos, tomando responsabilidade por elas e não culpando ninguém, a não ser nós mesmos, pelo que somos ou deixamos de ser.

Em vez de andar à deriva, repetindo a trilha alheia ou culpando as circunstâncias por todos os nossos males, contemplar a própria vida como Rodin encarava um bloco de pedra: apenas matéria bruta esperando para ser moldada pelo esforço do escultor.