segunda-feira, 27 de junho de 2016


27 de junho de 2016 | N° 18566 
DAVID COIMBRA

O quinto Beatle


Cá estou, fazendo minha lista de craques da humanidade, que sou fazedor de listas. Já citei dois: Mandela e Churchill. Citarei mais oito, para fechar em número redondo como a vida não é:

O terceiro: Martin Luther King, que, como Mandela e Churchill, venceu pela palavra.

“Eu tenho um sonho”, discursou Luther King, e, de certa forma, seu sonho se realizou.

Depois, Freud, que explicou previamente por que Mandela, Churchill e King venceriam pela palavra. Freud demonstrou como a palavra pode explicar ao homem quem o homem é.

Mais um: Kant, que foi o precursor de Freud ao mostrar que existe uma inteligência antes da inteligência. Michelângelo também não pode faltar. Ele criava vida a partir do mármore.

E, agora, quatro genialidades musicais, porque a música não é palpável como uma escultura de Michelângelo, nem pode ser verbalizada como as palavras de Churchill, Mandela, King, Kant e Freud, mas a música igualmente fala, estabelece comunicação direta com a alma e desperta sentimentos nos seres vivos.

Digo “seres vivos” porque os bichos também se deixam enlevar pela música. É célebre a história que contava Schopenhauer sobre um violinista da sua cidade que, uma noite, tendo se regalado em demasia com a boa cerveja alemã, virou valente, como viram alguns bêbados. Então, fez uma aposta temerária: entraria no pátio de uma empresa que era guardada por cães ferozes.

Entrou mesmo, pulou a cerca e, nem bem chegou ao chão, viu-se cercado dos cachorros com os dentes à mostra, prontos para reduzi-lo a carne de cheesebúrguer. Não é preciso dizer que o porre passou na hora. Tanto que ele teve presença de espírito suficiente para sacar do violino e tocar a música mais encantadora e suave que conhecia. Deu certo. Os bichos se acalmaram e, antes que ele pudesse dizer ufa, jaziam aos seus pés, mansos como bons maridos.

Outro que bem poderia estar nessa lista, Darwin, tocava piano para as minhocas. Ele tinha um viveiro de minhocas e estudava as reações que a música produzia nelas.

Portanto, se até minhocas se emocionam com a música, os craques dessa atividade também merecem estar na minha lista. Aí vão eles:

Beethoven, Mozart e Bach. E os Beatles. Considero os Beatles um único exemplo de craqueza, embora fossem quatro. E então penso nele, George Best, “o quinto Beatle”. Que craque, Best.

Com o que, ingresso no mundo do futebol.

Depois de passar dias falando em homens especiais da humanidade, parece vulgaridade descer ao degrau do futebol. Errado. O futebol é o esporte mais popular do planeta porque reproduz a vida. Então, há que se reverenciar ingleses como Best ou Stanley Matthews, franceses como Zidane ou Platini, alemães como Beckenbauer ou Schuster, argentinos como Messi, Di Stéfano ou Maradona e brasileiros como Pelé, Garrincha, Rivellino, Zico, Renato, Falcão, Ronaldo, Ronaldinho, Romário... são tantos os brasileiros...

Ou eram.

Por isso o meu lamento. Falta-nos o craque. Nosso último foi Ronaldinho. Neymar é subcraque, não tem grandeza de bola e de alma para ser o centro da Seleção Brasileira.

Você pode achar pouco esse drama, enquanto o país se consome na tragédia política. Não é. O futebol faz parte da nossa identidade e, pela primeira vez em mais de cem anos, não temos um craque sequer. Luan? Gabriel de Jesus? Alguém pode se tornar craque, entre os jovens jogadores do Brasil? Um craque pode ser construído aos poucos, a cada rodada, um tijolinho de talento depois do outro?

Não sei. Precisamos de um craque. Se nunca fizemos um Beethoven, um Freud ou um Luther King, é certo que sabíamos fazer pelo menos um Rivaldo, um Edmundo, um Jairzinho. Temos de fazer outra vez. Para podermos sonhar, em meio à realidade áspera. Para acreditar que estar por aqui, afinal, vale a pena.