segunda-feira, 27 de junho de 2016


27 de junho de 2016 | N° 18566 
L.F. VERISSIMO

A escolher


Escrevo sem saber se os ingleses decidiram ficar na comunidade europeia ou dar no pé. O que faz lembrar aquele comentarista esportivo que tinha dois textos prontos sobre um jogo que ainda não acontecera, “Por que ganhamos” e “Por que perdemos”. Se os ingleses optaram por sair, dizem que será ruim para eles e, por tabela, ruim para todo o mundo – menos para os cronistas. Teríamos mais teses a oferecer, começando com a mania dos ingleses de serem diferentes, e não só porque dirigem do lado errado da rua, e de infernizarem a vida dos europeus.

Foi Napoleão Bonaparte quem primeiro imaginou um Estado comum europeu – dominado pela França, claro, mas abrangente e racional. A derrota do Grande Armée pelos ingleses em Waterloo acabou com todas as grandes ideias de Napoleão, inclusive a de uma Europa unificada. Uma ideia que só deu fruto muitos anos mais tarde, e foram necessárias duas calamitosas guerras mundiais para que ela ressurgisse.

Um bom tema para desfiar: a rejeição da comunidade europeia como uma repetição de Waterloo e de outros exemplos da implicância inglesa com a Europa. Uma rejeição alimentada pelo pânico com a invasão de imigrantes e refugiados por uma persistente convicção da excepcionalidade britânica. Os ingleses não perdoam o resto do mundo por não ser inglês.

Mas a votação pode ter terminado com a vitória dos que querem ficar, e neste caso esqueça tudo que eu disse. A esperança venceu o medo e a soberba, e uma sociedade que talvez seja o melhor exemplo de convivência multicultural do mundo, hoje, preferiu o bom senso à xenofobia e à intolerância. E ainda por cima foi uma derrota – espera-se, também exemplar – da direita radical.

Portanto, ou foi uma vingança de Napoleão e da sua visão sobre Wellington e seu exército, ou foi Waterloo de novo. A União Europeia estaria se desintegrando aos poucos e uma vitória dos ingleses que querem sair seria um golpe, não mortal mas estonteante, com repercussões globais. Foi bem mais do que um plebiscito o que aconteceu na Inglaterra, na última quinta-feira.