quinta-feira, 30 de junho de 2016


30 de junho de 2016 | N° 18569 
L.F. VERISSIMO

Triste, triste

Racismo, xenofobia, intolerância, burrice – só tem nome feio na lista de razões dos ingleses para abandonarem a União Europeia. “Populismo” só não entra na lista de bobagens porque populismo é uma palavra danada. A definição mais aceita de “populista” é aquilo que é feito para ser popular apesar de não ser certo. Outra versão, mais condenável, de populismo é demagogia, ou o populismo como ciência política. 

Mas o diabo é que populismo também é uma forma inocente mas direta de democracia – o poder do povo pelo povo para o povo mesmo que o povo não saiba o que está fazendo. Na Inglaterra pós-plebiscito, estão pensando em como desfazer o mal feito pelo populismo irracional sem, ao mesmo tempo, desmoralizar a democracia. Como disse aquela personagem do Oscar Wilde, escandalizada com o que os nativos tinham feito com catequizadores ingleses na China, era no que dava levarem o cristianismo longe demais.

Se a União Europeia foi uma das melhores invenções da humanidade depois da escada rolante e do pudim de laranja, é triste ver a Inglaterra liderando o que pode muito bem ser o começo do fim da comunidade. A velha Inglaterra – de Cromwell e os primeiros suspiros republicanos, do parlamentarismo espalhado pelo mundo junto com as canhoneiras, da revolução industrial e científica, dos poetas, de Shakespeare, dos Beatles, meu Deus, da Kate Winslet! – dando um passo atrás e recolhendo-se ao seu isolamento. E, pior, pelo medo de estrangeiros, logo ela, que levou o terror do imperialismo branco a todos os cantos da Terra.

Foi a intensa cobrança feita no parlamento inglês que finalmente levou à abolição da escravatura, não por qualquer questão econômica, mas por uma imposição moral. A resistência inglesa aos ataques da Alemanha nazista durante a II Guerra Mundial inspirou o mundo. Talvez tenha sido uma nostalgia atávica do sentimento que manteve a ilha sem ajuda mas unida durante os ataques que inspirou o voto populista agora. Seria melhor se a inspiração viesse da luta pelo fim da escravatura.

Foi na sala de leitura do British Museum em Londres que Karl Marx escreveu boa parte do Das Kapital e desfiou suas ideias sobre uma comunidade humana unida pela solidariedade e pela justiça, sem fronteiras nacionais ou de classes. O sonho utópico de Marx era uma união pelo comunismo, mas só a parte sobre a solidariedade sem fronteiras já serviria, se o populismo não tivesse ido longe demais. Triste, triste.