sábado, 11 de maio de 2019



11 DE MAIO DE 2019
LYA LUFT

A dor do mundo

Hoje não tenho pensamentos poéticos. Pois muitas vezes, parando para pensar - que é o que na calma destes tantos anos posso fazer quanto quiser -, me volta a velhíssima indagação: afinal, nós, humanos, quem somos, com tantos conflitos e harmonia, crueldade, aberração e delicadeza? E o que fazemos pelos outros?

Que humanidade nos tornamos, que, vendo toda a miséria e aflição em tantos lugares, continua comendo, bebendo, vestindo, trabalhando e estudando, como se nem fosse conosco? Deve ser o nosso jeito de sobreviver, não comendo lixo concreto mas ruminando lixo moral e fingindo que está tudo bem.

Talvez empregando diferentemente os dons, as riquezas, o trabalho, o empenho e a decência de tantos, a gente conseguisse melhorar o sofrimento, essa "dor do mundo" que se alastra. Quem sabe, escolhendo quem cuidasse dos pobrezinhos, da saúde pública, dos leitos que faltam aos milhares, da educação que degringola, da fome e da falta de higiene, da desinformação, da seca ou da inundação - para que ninguém ficasse tão exposto e vulnerável, tão sem cuidado algum em quantidades tão imensas. Tantos tão sem nada... Os deuses não inventaram a indiferença, a crueldade, o mal do homem causado pelo homem. Nem mandaram desviar o olhar para não ver o menino metendo avidamente na boca restos de um bolo mofado, no mesmo instante em que a câmera capta sua irmãzinha num grande sorriso inocente atrás de um par de óculos de aro cor-de-rosa, que ela acabava de encontrar: e assim iluminou-se num segundo aquela triste realidade.

Penso - porque há pouco foi de novo noticiado - nos lixões onde, em países subdesenvolvidos (devo dizer "em desenvolvimento?"), pessoas comem, moram, constroem barracos. As autoridades são os pais daquele lixo. Não o produziram diretamente, mas ali o deixaram jogar, permitindo que o recanto emporcalhado se cobrisse de casas, de lares.

Metaforicamente, também penso no lixo moral: o cinismo, a ganância, a fome de mais e mais poder, as negociatas disfarçadas com palavras rebuscadas e até solenes, os acordos fictícios, os compromissos rompidos, os miseráveis iludidos ou os remediados que gostam de se iludir porque pensar é cansativo e perigoso... e os líderes discutindo, se insultando, sorrindo atrás da mão que finge disfarçar um bocejo. "Dor do mundo?" - indagariam se a gente lhes falasse nisso. "Coisa mais pessimista...".

Hoje não penso muito poeticamente, porque a realidade nos assalta mesmo dentro de nossas casas, e não podemos nos alienar. Uso aquilo de que disponho: as palavras. E digo, e digo, e repito: vamos cuidar da nossa gente antes que o mundo inteiro se transforme num nada poético lixão humano, e moral.

E não sobre nada melhor para alimentar nossos filhos.

LYA LUFT

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